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Nada de Novo no Front reflete sobre violência na guerra, mas flerta com sadismo

Diretor Edward Berger não encontra o tom ideal para retratar guerra sem explorar a violência

21.01.2023, às 14H38.
Atualizada em 21.01.2023, ÀS 14H49

Temos um século de filmes de guerra, e algumas convenções já estão suficientemente enraizadas no cinema mundial. A primeira e mais óbvia de todas: a guerra é ruim. Filmes de guerra costumeiramente se aproveitam do cenário para fazer comentários sobre sofrimento, sacrifício, perda e, vez ou outra, sanidade. Inspirado no livro homônimo, Nada de Novo no Front foi a grande aposta da Netflix para ser o principal título do subgênero em 2022. Dirigido por Edward Berger, o longa acompanha um soldado alemão durante uma sequência de batalhas da Primeira Guerra Mundial.

Os primeiros planos já dão conta de ambientar a guerra, espacial e psicologicamente. Vida e morte são contrastados ao vermos a harmonia de raposas descansando e se alimentando em sua toca, para alguns segundos depois, um campo de batalha tomado por corpos e ainda sendo bombardeado preencher a tela. O retrato da banalização da violência da guerra está aí, e junto dela, esse estudo de vida e morte, a natureza da guerra e todos os temas típicos do subgênero.

O que Berger propõe a partir da ambientação é acompanhar Paul (Felix Kammerer) durante seu tempo de serviço na batalha e fazer uma análise sociopolítica do conflito. Ao passo que os soldados estão sempre isolados, desnorteados e em busca de sobrevivência, os que dão as ordens parecem confortáveis em seus meios – algo batido no cinema político, mas ainda válido. A desumanização do personagem é gradual e bastante fluida e concreta por mostrar como cada novo acontecimento remove um pedaço de sua sanidade.

O problema de Nada de Novo no Front é, além da falta de originalidade em tudo que propõe, uma certa dificuldade de alinhar suas pretensões com suas realizações. Há uma antiga discussão sobre o papel do roteiro em um filme – a qual não cabe abordar no momento –, mas é inquestionável que um roteiro pode ser (e muitas vezes é) deturpado pela direção. Afinal, o que importa não é o que o texto pretende mostrar, mas o que a câmera de fato mostra – e como mostra. De nada adianta, por exemplo, um filme questionar a violência policial, se cada frame de sua projeção reitera e glorifica essa violência, como no caso de Tropa de Elite.

Acontece algo semelhante (e em menor escala) com Nada de Novo no Front. Berger quer sempre reiterar a brutalidade da guerra e o impacto da violência em seus personagens, mas o faz estetizando essa violência. Um soldado está sendo desmembrado ou estripado? A câmera vai se aproximar o máximo possível do ferimento enquanto a trilha sonora dá mais impacto ao momento. Em vez de se virar para os olhos dos traumatizados, a câmera se vira para as feridas dos moribundos. Há uma constante busca por força na imagem da dor, do sofrimento, que é apenas exploração da condição dos personagens e nada mais.

Essa situação gera um paradoxo, pois o filme busca humanizar figuras em processo de desumanização, mas o faz a partir de construção de cenas que “gamificam” a violência, no sentido de construir sequências nas quais a violência é quase um checkpoint que libera a próxima cena. O processo não chega a atingir o ponto de ser um torture porn, mas o ponto de ser, no mínimo, um filme hipócrita e infiel a sua própria proposta.

Peguemos, por exemplo, A Infância de Ivan, de Andrei Tarkovski. O soviético jamais explorava a violência diretamente, e em vez disso, buscava retratar os olhares traumatizados de seu protagonista, uma criança que tenta sobreviver a uma invasão nazista. O peso está todo nas reações de Ivan, na forma como ele tenta sobreviver, e não na violência e na morte que estão sempre diante de seus olhos. Mais importante do que o que está escrito no roteiro, é saber de que lado da cena estará a câmera. Diante de uma cena de trauma e dor, você pode humanizar, como Tarkovski, ou explorar sadicamente os defuntos, como Berger.

Nota do Crítico
Regular