Quando Hugo Carvana dirigiu Apolônio Brasil, Campeão da Alegria, lançado em 2003, o cinema nacional ainda não tinha feito as pazes com as comédias de situação e os pastelões, processo que desde 2006, quando estreou Se Eu Fosse Você, só tem se fortalecido nas bilheterias. Naquele filme, Carvana fazia a defesa de um tipo de humor em desuso nas telas, em sintonia com a nossa tradição da chanchada - e, embora ninguém tenha visto Apolônio Brasil, a defesa funcionou.
não se preocupe nada vai dar certo
não se preocupe nada vai dar certo
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O que torna, automaticamente, um filme como Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo um produto anacrônico em 2011.
O oitavo longa de Carvana acompanha Ramon (Tarcísio Meira) e Lalau Velasco (Gregório Duvivier), duas gerações de atores. Como a Caravana Rolidei há tempos imemoráveis, pai e filho viajam o país com seu show de humor itinerante, a bordo de uma kombi. Lalau faz o stand-up, com um repertório que satiriza o pai, enquanto Ramon "se mete em cagadas", como ele diz.
A trama de desencontros começa de fato quando Lalau é convidado por uma jornalista (Flávia Alessandra) a fingir, no Rio de Janeiro, que é um guru indiano famoso. É a oportunidade de ganhar uma fortuna e, se possível, sair da sombra do pai.
Carvana dialoga aqui não só com a chanchada e seus símbolos consagrados - o malandro, a gostosa, o falso padre - como recorre a um interessante efeito de montagem para incluir claques no filme, quando um plano termina com Ramon fazendo uma palhaçada e as gargalhadas da plateia (que na verdade estão no áudio do plano seguinte, em que Lalau se apresenta com o stand-up) vazam naquele primeiro plano. É a linguagem da TV sequestrada e readaptada sob a gramática do cinema.
Esse efeito, usado duas vezes no começo do filme, surge como um bom presságio - como se Carnava mostrasse, aos Danieis Filhos e correlatos, que é possível fazer comédia nas telas sem reciclar acriticamente a produção da televisão. O que sabota Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo a partir daí, porém - e que deixa o filme com cara de datado -, é a volta daquele mesmo discurso de Apolônio Brasil, como se toda a nossa tradição, esquecida em algum canto do Retiro dos Artistas, precisasse ser resgatada.
E tome "sabe como é difícil produzir arte no Brasil...". Aqui Carvana se esforça para restabelecer uma suposta missão do humor - não se faz pelo dinheiro, mas pelo espetáculo; vale tudo "desde que se faça rir" - mas essa declaração de princípios soa nostálgica, fora do tempo.
Resgatada a nossa arte da chanchada já foi, o que ela precisa agora é encontrar um lugar próprio no cinema pós-Retomada, que não emule situações, tipos e estéticas da TV. Na didática narração em off de Duvivier e na cadência morna da trama, o filme vai se esquivando dessas questões, sem achar uma voz nova. Apesar daquele arroubo criativo das claques, no fim Carvana parece mais interessado em abordar nossa comédia do ponto de vista do artista militante do que do contador de histórias.
Aliás, falando em artista militante, vale atentar para a forma como Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo mostra e problematiza o dinheiro. As primeiras cédulas, de real, surgem na rinha de galo; o azul das notas de R$ 100 agitadas no alto se destaca no calor e no marrom da briga. Depois aparecem os dólares - é engraçado como os personagens enchem a boca pra falar "dólares", como se ainda estivéssemos deslumbrados com a abertura do Plano Collor - que o guru indiano oferece para seus seguidores, mulheres malhadas e gordos flamboyants, esconderem em suas partes íntimas.
É como se os dólares fossem o metal vil, o escuso, a verba oficial, enquanto os reais tivessem a legitimidade do suor do povo. Esta é uma comédia sobre golpistas, obviamente trata de dinheiro, mas fica a impressão de que o discurso pela preservação da velha comédia na verdade reivindica, com algum ressentimento, uma compensação na hoje gorda fatura da comédia nacional.
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