De todos os filmes de gênero feitos hoje em Hollywood para engajar um público infantojuvenil com histórias de perigo e morte sem de fato colocar em risco a conformidade de uma narrativa sem agressões,Nerve - Um Jogo Sem Regras está entre os mais interessantes. Porque o longa baseado no romance homônimo de Jeanne Ryan poderia, em teoria, patinar na sua premissa aparentemente inconciliável.
Essa premissa: contar uma história cyberpunk, o gênero por excelência da anulação do indivíduo, com personagens que representam a segurança econômica e os interesses de ego da era dos millennials. É como uma grande brincadeira de aproximação entre esses dois extremos que Emma Roberts e Dave Franco vivem em Nerve sua história de amor por uma noite em Manhattan, dentro de uma distopia que já tratamos hoje como natural: viver em função dos jogos de popularidade que as redes sociais trouxeram do colegial para nossa vida adulta.
Vee (Roberts) quer se provar para a "sociedade" (seus amigos) e aceita participar do jogo de voyeurismo do título, em que observadores propõem desafios para aqueles que topam ser jogadores. É como se Chuck Palahniuk tivesse decidido escrever Clube da Luta não como uma releitura indie do cyberpunk mas como uma versão de Cinderela. Vee aceita desafio atrás de desafio como a gata borralheira que só tem até a meia-noite para aproveitar seu príncipe - cujo cavalo branco é substituído pela moto, assim como o guerreiro medieval que se põe no seu caminho é substituído por um cosplayer de Mad Max. Nerve lida de um jeito bastante consciente com a iconografia dos contos de fada - a protagonista não usaria um capaz vermelho de outra forma - para reafirmar o faz-de-conta, para proteger o espectador dos perigos reais que a trama cita (a realidade de Staten Island e do gangsta rap, a violência do fim da privacidade) enquanto glamouriza a rebeldia do hacktivismo.
Mas não há anarquia de fato em Nerve, apenas a adrenalina, do medo de altura ou de velocidade. De novo, o que dá o tom é a brincadeira: tudo aquilo que o cinema americano ensinou a associar com morte de fato, como o abuso de drogas ou o sexo inconsequente, é vilanizado ou simplesmente ignorado em Nerve em nome da inofensividade.
Se Nerve funciona dentro dessa proposta é porque os diretores Henry Joost e Ariel Schulman, de Atividade Paranormal 3 e 4, executam com competência esse simulacro, a experiência controlada. Particularmente um filme anterior da dupla, Catfish, já partia dessa crença na redoma não como um espaço de alienação mas de afirmação de individualidade. Então, a partir de um rigor no enquadramento, Joost e Schulman usam close-ups sistematicamente em Nerve para contar sua história, e nesses close-ups Emma Roberts e Dave Franco estarão para sempre protegidos do mal.
É como se os diretores elevassem a gramática das webcams a linguagem básica de diálogo com o mundo, transcendendo o virtual para o real (os HUDs e as plaquinhas de identificação de pessoas no skyline de Nova York são uma coisa verdadeiramente cyberpunk). Todos em Nerve olham para telas - e não necessariamente são tragados por elas - e pelas câmeras dos smartphones tudo se vê. Nesse sentido, temos aqui um filme muito imediato de estabelecimento de situacões, de personagens e arcos, descomplicado nas suas escolhas de arquétipos e premissas. Poucos filmes hoje fazem, como Nerve, uma opção tão clara e bem resolvida pelo lúdico.
E no fim só resta ao enamorado casal protagonista aproveitar o passeio, em primeira-pessoa. Dentro de cada close-up do casal cabem todas as experiências do mundo - é o que parece dizer a fotografia de Nerve, que transforma tudo em neon e mantém sempre as luzes da cidade ao fundo, desfocadas, respondendo pelo resto da composição do quadro enquanto Vee e seu príncipe trocam beijos e promessas. Embora pareça complexo, o futurismo de Nerve se consuma como um sonho simples de adolescente, e o único perigo real é que vire a meia-noite e o caleidoscópio chegue ao fim.