Em março de 2008, o Brasil testemunhou um dos episódios de violência doméstica mais impactantes de sua história recente: uma criança foi lançada pela janela do apartamento no prédio em que seu pai e sua madrasta residiam. No processo criminal, ambos foram apontados como os responsáveis pelo terrível ato. Quinze anos após a tragédia, e em pleno funcionamento de uma indústria de documentários sobre casos espetaculosos do noticiário nacional, o episódio vira tema do longa Isabella: O Caso Nardoni.
Seguindo a cartilha do true crime popularizada na Netflix em títulos como Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez, Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, O Caso Evandro e outros, a produção faz aquele arroz com feijão de reunir recortes da cobertura do crime nos noticiários e programas policiais, conversa com legistas e peritos envolvidos no caso e traz grandes depoimentos dos promotores e advogados de defesa. Nada, no entanto, que venha a trazer alguma novidade sobre a investigação já encerrada que culminou na prisão do casal Nardoni: Alexandre Nardoni foi sentenciado a 31 anos e um mês de prisão e Anna Carolina Jatobá condenada a cumprir uma pena de 26 anos e oito meses – hoje, ela cumpre a pena em regime aberto.
Mesmo com 1h54 minutos, a produção tem uma estrutura quase de série e conta com blocos bem definidos. Cada segmento destaca um dos desdobramentos do caso, como a repercussão pública e midiática, bem como as fragilidades no laudo. Ao mostrar exemplos de como o crime ganhou conotações até pitorescas, como a entrevista feita com o casal Nardoni passando por um detector de mentiras, a produção tenta fazer um comentário sobre espetacularização da violência, mas não vai além do básico.
Em certo momento, a produção acredita que seu grande diferencial é a reconstituição do crime (com direito a um cenário do apartamento dos Nardoni com ares de Dogville, filme de Lars von Trier). O documentário se reveste de uma almejada sobriedade com os depoimentos do promotor Francisco Cembranelli, delegados e outros profissionais envolvidos no processo, que ajudam a explicar como a pressão popular foi responsável por mover o caso na Justiça. Esse ponto é fundamental para entender como a investigação pode ter sido prejudicada pelo seu caráter midiático. Novamente, não há muito ineditismo nesse comentário; toda transformação de um caso de polícia em sensacionalismo, seja na ficção ou nos documentários, já traz consigo essa carga.
O documentário, porém, conta com um truque na manga ao trazer depoimentos de Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella, a avó Rosa Oliveira e a prima Giovanna Oliveira, que justamente se destacam como o coração dessa história, que na falta de uma pertinência documental ao menos pode apelar para o emocional da dor da perda. No entanto, as entrevistas com o trio se perdem no meio de uma montagem que prefere dar mais voz à imprensa sensacionalista e na reconstituição de um crime que já apontou seus culpados. Vale notar que as famílias de Nardoni e Jatobá se recusaram a participar da produção.
Por mais que a intenção dos diretores Micael Langer e Cláudio Manoel tenha sido de explorar todas as camadas do caso e dar um tom de memória à menina que perdeu a vida, o filme perde a oportunidade de se aprofundar no que tem de melhor: a chance de dar mais voz a uma mãe que perdeu a filha em um dos crimes mais espetacularizados do país. Nos breves momentos em que Ana Carolina Oliveira aparece no início e no final do documentário, apesar da dor e da tristeza, é possível ver uma mulher que fez do luto a oportunidade de renascer.
Hoje, Ana Carolina se casou novamente e tornou-se mãe mais uma vez. Uma jornada para poucas - e, embora essa jornada seja discreta aos olhos do público e diante dos flashes, ela é muito digna sim de se documentar.