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Nick Cave - 20.000 Dias na Terra | Crítica

Terapia e testamento de um astro ciente da brevidade do rock

01.10.2014, às 12H09.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Para um músico que tentava emular seus ícones do rock e que encontrou num senso teatral de performance uma legítima expressão artística, é compreensível que Nick Cave não se sujeite a um documentário tradicional, formalista, ignorando a presença da câmera. Tudo o que o vocalista do Bad Seeds faz em Nick Cave - 20.000 Dias na Terra (20.000 Days on Earth, 2013) é justamente pegar a câmera para si.

nick cave

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O filme dos diretores Iain Forsyth e Jane Pollard acompanha Cave desde a manhã desse aniversário especial, levantando da cama, supostos 20 mil dias vivo, até uma apresentação da banda na Ópera de Sydney, na Austrália natal do músico. Que os shows ao vivo sejam reservados para o fim do filme faz sentido se entendermos que Nick Cave - 20.000 Dias na Terra foi pensado e executado para nos convencer de que Nick Cave, fora do palco e mesmo dentro, é um astro em constante construção.

Ou sempre em "transformação" - a palavra que Cave mais repete ao longo do filme, ao lado de "narrativa", aqui um sinônimo de performance. Tudo o que se espera de um astro do século 20, do século das imagens, é que tenha noção e domínio de sua persona, e nesse aspecto há poucos astros do rock como Nick Cave. Enquanto passeia com seu biografado por estradas e casas e estúdios - sempre em movimento - o filme tem como objetivo encontrar uma verdade musical, artística, nessa persona que Cave criou para si.

É um filme-terapia arriscado, antes de se tornar um bonito filme-testamento, e digo com alívio e satisfação que, apesar das eventuais pretensões, Forsyth e Pollard dão na mão de Nick Cave a oportunidade de fazer neste filme toda a terapia que ele desejar. Outra palavra que ele repete muito é "memória", tanto a memória em si, as lembranças consumidas pelos anos de abusos na juventude, quanto a memória editada, a "mitologia" que só os verdadeiros artistas têm condição de se dedicar a criar sem cinismo ou dispersão.

A verdade está no artifício, enfim, Cave parece nos dizer, e isso de certa forma blinda o documentário - todos os riscos que a dupla de diretores toma acabam justificados, tornam-se parte de uma entrega, de uma purificação. Nunca se deve esperar de um artista que ele seja o melhor crítico de si mesmo; na verdade, nem é desejável que ele seja. Ainda assim, Nick Cave faz em 20.000 Dias na Terra uma análise muito consciente do seu processo e dos seus limites, e se envelhecer é ganhar essa sabedoria, então ainda existe vida no rock.

Nota do Crítico
Ótimo