Robert Eggers dirigiu versões teatrais de Nosferatu duas vezes antes de trazer a história do clássico de F.W. Murnau de volta para os cinemas. A primeira foi durante o seu ensino médio, com colegas de classe no elenco, e a segunda em 2001, após um produtor teatral assistir à montagem amadora original e chamá-lo para reproduzi-la nos palcos profissionais. Eggers tinha 18 anos de idade nesta segunda ocasião, e demoraria outros 14 para se tornar nome forte do “horror elevado” do século XXI com o seu A Bruxa (2015) - de certa forma, quase a obra fundadora desse momento cultural em específico. O curioso a se notar em seu Nosferatu de 2024, no entanto, é que ele parece ser muito mais uma obra daquele Eggers adolescente do teatro colegial do que do Eggers adulto que faz “cinema de horror sério”... e isso é justamente o que há de mais excitante no filme.
Acima de qualquer coisa, aqui o Eggers que começou em Hollywood como designer de produção consegue extravasar suas fantasias decorativas góticas de uma maneira que os cenários espartanos de A Bruxa, O Farol e O Homem do Norte não lhe permitiam. Trabalhando com seus parceiros usuais, o diretor de arte Craig Lathrop e o cinematógrafo Jarin Blaschke, o cineasta encena seu Nosferatu em ambientes dramaticamente iluminados à luz de velas, com cortinas de cetim que serpenteiam ao vento revelando vultos estranhos, salas empoeiradas preenchidas por estátuas e gárgulas grotescas que se contorcem entre poças de luz amarela e sombras profundas - com as quais o vampiro titular se misturaria sem esforço, se não fosse pela sua profunda e rouca respiração tumular.
Enquanyo isso, o próprio Nosferatu de Bill Skarsgård é uma criação pitoresca, que se empoleira decisivamente entre o aterrorizante e o ridículo. Concebido menos como um enviado infernal e mais como um cadáver congelado no meio do processo de decomposição, completo com um bigode farto (e historicamente correto!) e um apetite sexual imparável, que esbarra no patético quando Eggers o filma no ato de “drenar” uma vítima, ele é uma criatura que assusta pelo que tem de antinatural, de fétido e pestilento - mas cujas motivações não diferem muito das de um protagonista pós-adolescente de comédia dos anos 2000: ele é só apetite, só natureza, só id. Não foi por acaso que, lá em 2001, o Eggers de 18 anos escalou a si mesmo como o vampirão em sua montagem teatral da história.
De maneira até similar, enquanto isso, a protagonista feminina da trama se transforma de vítima indefesa a cúmplice, em eterno conflito com as trevas dentro de si. Como Ellen, prometida de Nosferatu desde a juventude, Lily-Rose Depp expressa, em cenas de possessão meticulosamente coreografadas, impressionantemente destrutivas, o calvário de um corpo assombrado pelo passado e pelos próprios desejos (o subtexto lésbico entre Ellen e Anna, personagem de Emma Corrin criada especialmente para o remake, aflora no roteiro de Eggers). Trata-se de uma performance expansiva, que a câmera segue obsessivamente enquanto usa o espaço ao seu redor, no simulacro teatral de uma mulher que se afoga - o ar ao seu redor, lotado das expectativas e promessas do arquétipo em que ela foi construída, transformado em uma substância tão viscosa e sufocante quanto a água.
A brincadeira toda, como se vê, também tem um lado “sério”. Ao contrário do que os fãs mais ferrenhos do tal horror elevado presumem, há um valor textual imensurável no acúmulo de significados que existe dentro de um gênero, e na riqueza de imagens que você pode evocar quando se entrega a ele. O Nosferatu de Eggers, assim, se revela uma história sombria de abuso, um melodrama doído sobre os destinos inescapáveis aos quais nos entregamos diante da solidão e do desespero, uma representação eloquente do estado de animação suspensa em que nos colocamos (como de costume no horror, aqui a metáfora se literaliza na criatura central do filme) para evitar o sofrimento, um filme sobre o poder purificador de escapar das amarras da ordem social e obedecer à nossa natureza - mesmo que ela nos mate.
São ideias que talvez não sobrevivessem a um olhar “maduro”, mas que precisam ser colocadas na arte justamente por ela ser um espelho seguro das partes de nós que negamos. É um faz-de-conta que, como as contorções e espasmos da pobre Ellen em suas possessões, serve também como tentativa de expurgação. Às vezes, todos precisamos ser um pouco adolescentes.