“O mundo precisa de histórias felizes.” A máxima, dita no primeiro filme e retomada em Nosso Lar 2: Os Mensageiros, deixa bem claro o intuito da sequência, que estreia 14 anos depois do original. Em princípio, não há nada de errado em querer deixar uma mensagem de esperança - a grande questão é como contar essas histórias. Afinal, de boas intenções (e filmes nem tanto) o cinema está cheio.
Ao adaptar um novo livro escrito pelo médium Chico Xavier, o roteirista e diretor Wagner de Assis traz de volta o protagonista do primeiro longa, o médico André Luiz (Renato Prieto), desta vez na função de narrador. Ele agora faz parte do grupo de mensageiros liderado por Aniceto (Edson Celulari), que tem a missão de ajudar espíritos reencarnados e “instaurar um ambiente de intercâmbio espiritual” no plano terreno.
O médico, no entanto, é mal aproveitado: mesmo estando no papel estratégico de novato que vivencia aquelas experiências pela primeira vez, sendo assim os olhos e ouvidos do público ao adentrar o mundo dos mensageiros, ele apenas observa (e às vezes explica), mas pouco participa de fato da ação. Dentro do grupo, o mensageiro Vicente (Fábio Lago, em boa atuação) acaba tendo mais destaque, com uma postura mais curiosa e questionadora, e até um arco próprio.
Com voz serena e gestos contidos, Celulari faz o possível para convencer na pele de Aniceto, mas o tom professoral do texto e as marcações engessadas da direção dificultam que a dramaturgia ganhe autonomia. As interações entre os personagens no plano espiritual são sempre artificiais, talvez tanto quanto os cenários onírico-futuristas criados em computação gráfica. É uma pena que o filme se apoie tanto nos efeitos visuais de ambientes como o Bosque das Águas ou de ações como “volitar” (mover-se com a força da mente), já que a cidade espiritual aqui tem menos relevância para a trama do que o mundo dos vivos.
É na Terra que se desenrola boa parte das trajetórias do desonesto Otávio (Felipe de Carolis), do intransigente Isidoro (Mouhamed Harfouch) e do preconceituoso Fernando (Rafa Sieg), os integrantes do projeto a que os mensageiros precisam dedicar sua atenção. Os caminhos diferentes percorridos por cada um ilustram, didaticamente, a lição que Aniceto descreve em determinado momento: “Não há condenação, somos responsáveis pelos nossos atos. Parece moralista e é, mas é uma boa moral”.
Em torno desses personagens estão os melhores momentos do filme. Felipe de Carolis sabe bem disso e aproveita cada minuto em cena com uma ótima performance, principalmente nas situações mais sombrias de seu personagem. Médium que enganava pessoas com falsas promessas de cura e outras mentiras do tipo, ele se torna um espírito atormentado cujo passatempo preferido é afetar negativamente vivos e mortos, sem distinção.
A dobradinha do ator com Fernanda Rodrigues (comovente no papel de Isis, mesmo com pouco tempo de tela) é excepcional e é também um exemplo de que Nosso Lar 2 teria muito mais a ganhar se apostasse numa força dramática desses conflitos. Uma cena da dupla, em especial, rodada em preto e branco, com uma luz dura, é bela e tocante ao mesmo tempo, mostrando o potencial da direção de fotografia de Lilis Soares numa linguagem um pouco mais realista.
O longa, porém, prefere os excessos e acaba se perdendo entre lições didáticas e a falta de um protagonismo claro, num vaivém entre passado e presente que mais confunde do que explica a narrativa. Tudo isso chega ao espectador como uma diluição ou um ruído - o que é uma pena, dado que Nosso Lar 2 tinha um potencial de comunicação para além de qualquer doutrina religiosa, já que temas como bem e mal, luz e sombra, morte e vida são o centro de várias das narrativas que a humanidade transmite há séculos. Não é o fato de ser moralista que vai dizer que se trata de uma boa história.