O Cemitério das Almas Perdidas/Divulgação

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Crítica

O Cemitério das Almas Perdidas

Com toques de terror europeu, filme de Rodrigo Aragão provoca os fantasmas do colonialismo português

07.09.2020, às 17H43.
Atualizada em 07.09.2020, ÀS 18H08

Muito do impacto do terror, além dos sustos e sangue, vêm de refletir na telona os medos e agonias do público - mas esse é um conceito bastante amplo. Cada país, cultura e pessoa teme algo diferente, e não é diferente com o Brasil, que reluta em discutir com honestidade as dores e problemas do passado. O cineasta Rodrigo Aragão (Mangue Negro) entende isso, e cutuca diretamente essa ferida em O Cemitério das Almas Perdidas.

Na trama, um grupo de padres jesuítas fazem um pacto sinistro para chegar ao Brasil colonial com segurança. Mais tarde, após massacres na nova terra, o acordo se volta contra eles quando são amaldiçoados a viverem nas ruínas de um cemitério pela eternidade. Séculos depois, a assombrações espalham sua maldade em uma pequena cidade de interior.

O filme estreia durante o feriado de Independência do Brasil, como parte da 10ª edição do festival Cinefantasy, e a escolha parece bastante proposital. A ideia é justamente trazer uma provocação sobre o passado sangrento vivenciado pelos povos indígenas nas mãos dos Portugueses. Aqui, ainda que os padres se justifiquem em levar adiante sua religião, a caracterização dos jesuítas é de manipuladores perversos e genocidas. O longa não vai muito a fundo na crítica porém, ao mostrar a trama em dois períodos diferentes, evoca como vilão não só um demônio ou espírito, mas sim o fantasma do colonialismo e fundamentalismo religioso.

O filme explora as comparações entre o passado e o presente através de arcos nos dois períodos. Um acaba sendo mais desenvolvido do que o outro, com os eventos da época colonial tendo mais atenção. A montagem, porém, liga essas duas metades de forma não-linear, o que dá um toque clássico ao longa, quase como um terror europeu setentista. Com certeza há uma deliciosa ironia no contraste entre temática e execução.

O grande destaque fica para os excelentes cenários da obra. Seja em um navio português, ou nas criptas de um cemitério, é visível a experiência de Aragão e sua equipe na hora de dar vida aos ambientes macabros, repletos de detalhes e texturas. A direção de fotografia deixa um pouco a desejar ao não explorar a fundo essas locações, optando por planos bastante bidimensionais. Claro, é uma técnica bastante sagaz para conseguir uma produção visualmente atraente mesmo sem orçamento colossal nas mãos ou um set lotado, mas a decisão vem atrelada de linguagem visual estática, que a edição tenta compensar com cortes rápidos. Em vários momentos o longa passa a sensação de ser a filmagem de uma peça teatral.

Felizmente, é uma de alto nível de confecção. Inclusive, vale citar o excelente trabalho de iluminação, que banha o cemitério com o perturbador luar azul, e seus subsolos à luz de velas ritualísticas.

O Cemitério das Almas Perdidas ocasionalmente se arrasta na narrativa mas surpreende pela estética de alto nível, e pela originalidade em explorar um período sombrio e controverso pelas lentes do terror. Sua trama pode nem sempre ser eficiente ou bem desenvolvida, porém há algo de especial em uma obra que simultaneamente se inspira no cinema europeu enquanto crítica seus atos históricos.

Nota do Crítico
Bom