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O Cheiro da Gente | Crítica

Larry Clark vai a Paris atrás de seus adolescentes em mais um filme-penitência

02.12.2015, às 16H43.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Às vésperas do aniversário de 10 anos de Kids, o filme de 1995 que lançou o roteirista e diretor Larry Clark e definiu o tom polemista de sua carreira, O Cheiro da Gente (The Smell of Us, 2014), seu oitavo longa, mostra que Clark ainda vampiriza os jovens que filma, mas com cada vez mais afeto.

o cheiro da gente

o cheiro da gente

Desta vez ele troca a urbanidade e os subúrbios americanos por Paris, mas os protagonistas de seus filmes nunca mudam: jovens que passam o dia andando de skate, fumando, brigando, e as noites dançando e transando. Jovens que fazem o que se espera deles: testar os limites do seu corpo e os limites do mundo. O desvio autodestrutivo que os adolescentes de O Cheiro da Gente tomam é que se diferencia dos filmes anteriores; aqui, muitos dos garotos se prostituem, como um misto de hobby e ocupação.

Os adultos se tornam agente da ação. É como se os vampiros todos - os velhos pais ausentes, as instituições falidas - que sempre vivem às margens dos filmes de Clark de repente se tornassem protagonistas também. Figuras ridículas nuas, em sua maioria. (Talvez este seja o primeiro filme do diretor em que os velhos aparecem tão pelados quanto os jovens.) Clark, que vez ou outra aparece em seus próprios filmes como um desses adultos-zumbis, aqui faz papel duplo, como um mendigo e como um cliente fetichista dos michês.

Assistir a um filme de Larry Clark sempre foi uma experiência próxima da penitência, como se precisássemos, todos, pagar um castigo por sugar a vida dos nossos jovens. Em O Cheiro da Gente, dez anos depois de Kids, há algo distinto em cena, porém. Essa exposição maior da figura do diretor, ridicularizada desde a primeira cena do filme, em que os skatistas usam o mendigo caído como obstáculo, é um dos fatores desse pedido de afeto (se é que dá pra chamar de afeto alguns momentos que continuam atrás do choque puro e simples, como quando o mendigo se mija sozinho).

Por trás do caráter polemista, sempre houve nos filmes de Clark uma busca pela cumplicidade. É isso que move seus personagens, embora eles não suspeitem. Em O Cheiro da Gente a cumplicidade toma uma forma já conhecida - a comunhão da balada, das tardes ociosas, dividir drogas, dividir o sexo - mas ela parece mais bem definida, desde o título que apela para uma coletividade, "a gente". Se isso é sintoma de uma depuração de estilo e de narrativa ou simplesmente o coração de Larry Clark amoleceu com o tempo, já é outra questão.

Nota do Crítico
Ótimo