O rótulo que acompanha a nova versão cinematográfica de O Conde de Monte Cristo tende a ligar o longa à adaptação de Os Três Mosqueteiros lançada em duas partes nos cinemas no ano passado, com grande sucesso comercial. Natural: ambos são clássicos da literatura francesa, assinados por Alexandre Dumas, que estão ganhando o tratamento de gala na tela grande dentro da França pela primeira vez em muito tempo. E os nomes de Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte estão nos créditos de ambos os projetos, o que até permite a inclusão de um “da mesma equipe de” no pôster, veja só.
Mas eis a reviravolta: em O Conde de Monte Cristo, a dupla assume a cadeira de diretor, além de assinar o roteiro. E é esperta essa mudança, porque Monte Cristo é um bicho muito diferente de Mosqueteiros, uma narrativa de câmara, no sentido teatral mesmo. Enquanto D'Artagnan está às voltas com duelos de espada e perseguições à cavalo, no espírito de aventura impulsivo que emblematizou Dumas como contador de histórias, Edmond Dantés passa o seu tempo diante da lareira articulando seus planos de vingança, cooptando aliados e enganando a alta sociedade francesa na base da lábia. Ele é mais O Fantasma da Ópera do que Indiana Jones, digamos assim.
E a direção de Patellière e Delaporte acerta ao abandonar a pretensão de realismo granulado de Os Três Mosqueteiros e partir para uma abordagem novelesca muito mais direta. Em outros termos: se os filmes do ano passado eram blockbusters naquele sentido bem hollywoodiano contemporâneo, de buscar uma imersão e uma credibilidade que fogem do fantasioso, Monte Cristo é um blockbuster como os que Hollywood fazia em meados do século passado, que busca convencer pela suntuosidade do seu melodrama. Os valores de produção do longa estão à exposição o tempo todo, das locações gigantescas aos figurinos barrocos, e até a embalagem em que o filme foi lançado - em uma dose de 3h ao invés de dois capítulos de 2h cada um - evoca os épicos cinematográficos de outrora.
E não há um traço de ironia em como o filme apresenta tudo isso. Monte Cristo quer te impressionar em um sentido muito honesto, sem pretender que inexiste a separação entre o espectador e a tela. Esta é uma relação de troca: o cinema te dá a fantasia, um campo aberto no qual as emoções que existem em seu dia a dia podem se ampliar, e podemos lidar com elas de forma mais segura… e, em troca, você dá ao cinema o seu dinheiro. Neste comércio do melodrama como mecanismo de escape e terapia, Monte Cristo se dá bem por mergulhar obstinadamente na história de mágoa intergeracional e conflito de classes que está no coração da obra de Dumas, cuja relação de honra e desgraça com sua própria família e seu próprio status social informou muito de sua escrita.
Assim, quando Dantés é traído e enganado por um amigo mais rico e bem posicionado, passa mais de uma década na prisão e retorna com sede de vingança (e dois comparsas jovens que têm seus próprios motivos para se verem consumidos pela mesma missão), o filme de Patellière e Delaporte vai um pouco mais longe do que o habitual na discussão da validade e da gênese desse sentimento de revanche. Muito além do destino selado pela raiva do protagonista, e do determinismo da divisão de classes que o designou este destino, o novo Monte Cristo reflete sobre quais gerações conseguem viver seus sonhos, quais amores são permitidos, quais sentimentos regem as relações libertas e oprimidas.
Eu digo “reflete”, é claro, no sentido mais básico possível. O Conde de Monte Cristo sugere e reencena as dinâmicas românticas e trágicas que levantam essas questões, mas está muito mais interessado em como nos convencer de sua validade como produto do que de sua validade como dramaturgia. Mas, pelo menos, funciona - o que já é uma evolução considerável em relação a Mosqueteiros.