Depois de emular o estilo dos seus protetores, os irmãos Wachowski, em V de Vingança, agora o diretor James McTeigue se vê diante de outra comparação inevitável, em O Corvo (The Raven). O sucesso de Sherlock Holmes tem gerado em Hollywood diversos projetos que tentam transformar eruditas figuras em heróis de ação - de Leonardo Da Vinci a Marco Polo - e neste filme o escolhido é Edgar Allan Poe (1809-1849).
o corvo
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John Cusack interpreta com seu arsenal de trejeitos o autor bostoniano, ícone do romantismo com seus poemas soturnos e um dos definidores das histórias urbanas de detetives no século 19, com seus contos. O filme ficcionaliza os dias de Poe em Baltimore, quando o escritor luta para publicar suas críticas no jornal local e pagar suas dívidas de bebida, no meio da gente medíocre que não reconhece seu gênio.
O roteiro de Ben Livingston e Hannah Shakespeare coloca Poe em ação quando um assassino em série misteriosamente começa a cometer homicídios inspirados em obras do escritor. Um detetive (Luke Evans) serve de Dr. Watson de ocasião, fechando a equação como o parceiro sério e metódico que balanceia o humor e os insights do protagonista, enquanto a amada de Poe, Emily (Alice Eve), faz a donzela em perigo. O Poe de Cusack não é um mestre em artes marciais nem especialmente hábil com armas de fogo, mas se presta à correria e às perseguições a cavalo - mais do que se esperaria de um beberrão sedentário.
Nessas cenas fica claro que O Corvo - com seu orçamento modesto de US$ 26 milhões, visivelmente gasto na recriação de época - não tem munição para brigar com a ação de blockbuster de Sherlock Holmes. Ciente disso, McTeigue investe numa mistura de torture porn (a gilhotina, o caixão) com whodunit à la Se7en. A morbidez, afinal, é o traço principal da obra de Poe, e pelo menos nisso o filme parece seguir por um caminho coerente.
O que não impede O Corvo de ser um thriller-de-maníaco burocrático que se esquece ao fim da sessão, e que talvez só sirva aos espectadores como ponto de partida para ler a obra de Poe. No filme, o texto do autor é fetichizado (os roteiristas parecem ter lido só os "resumos de vestibular" para pinçar potenciais cenas de morte) e o próprio apreço pelo verbo é banalizado (Cusack tem a mania de repetir literalmente o que é dito a ele, como se precisasse dar mais solenidade a diálogos já excessivamente solenes).
Em resumo, se você queria um filme como Sherlock Holmes, mas sem o humor e sem a ação (e sem Robert Downey Jr.) e com muito mais diálogos declamados e palavras difíceis, não precisa procurar mais.