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Crítica

O Grande Hotel Budapeste | Crítica

Wes Anderson coloca sua casa de bonecas a serviço de seu filme mais cinefílico

02.07.2014, às 17H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H43

Muitos autores defendem que quanto mais específica for uma história, maior o potencial dela tocar mais pessoas, tornar-se universal. Embora os filmes de Wes Anderson possam soar genericamente repetitivos em suas obsessões estéticas, é sempre o específico que ele procura, e em O Grande Hotel Budapeste essa busca toma a forma de uma boneca russa.

o grande hotel budapeste

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A boneca maior, que contém todas as menores, é o espectador, o ponto final de toda obra: no filme, uma fã visita a estátua do "Autor", tendo em mãos o livro de memórias dele. Quando ela abre o livro, vem a boneca seguinte: alguns anos antes, o tal "Autor", interpretado por Tom Wilkinson, reconta sua passagem, na juventude, em 1968, pelo já decadente hotel do título, localizado em Zubrowka - república nos Alpes europeus que, embora fictícia, não passou incólume pela influência sovíética no pós-guerra. Do proprietário, o escritor escuta um relato que remonta a 1932, quando o hotel, no seu auge, foi palco de um imbróglio envolvendo o concierge Gustave (Ralph Fiennes), uma viúva rica (Tilda Swinton), herdeiros ardilosos e uma pintura inestimável.

Wilkinson diz em cena que escritores não inventam histórias, mas reproduzem o que veem e o que escutam. É a senha para Anderson fazer seu longa-metragem mais cinefílico, reconhecidamente em homenagem às comédias do diretor Ernst Lubitsch, como Ser ou Não Ser (1942) e A Loja da Esquina (1940). Assim como Lubitsch, que ambientava tramas na Europa sem filmar no continente, o filme de Anderson se passa numa versão da Hungria mas é rodado na Alemanha.

A maior similaridade entre O Grande Hotel Budapeste e as comédias de Lubitsch, porém, são os diálogos. Escritos na era pré-Código de Hays em Hollywood - quando filmes passaram a ser vigiados em 1930 por suas insinuações de sexo, violência e "imoralidade" - alguns roteiros de Lubitsch tratavam a pompa da época com ironia: personagens trocavam diálogos rebuscados, respeitosos, mas cheios de termos e sugestões "ofensivos". Aqui, Anderson coloca na boca de Fiennes esses diálogos; o concierge tem ambições de poeta mas solta palavrões o tempo inteiro, e o efeito cômico, ajudado pela interpretação precisa do ator, é imediato.

Essa analogia com as bonecas russas se estende à própria maneira que Anderson escolhe filmar, respeitando as janelas de projeção usadas nas épocas em que a trama se passa, desde o 1.85 dos dias de hoje até o 1.33 dos anos 1930 - formato mais quadrado que espreme a tela e, de fato, parece uma boneca russa mais compacta. Mas não é a menor: em algumas cenas em 1932, Anderson recorre a miniaturas e animação em stop-motion para filmar cenários e cenas de ação, como a perseguição na neve. É como se sua busca pelo específico, em meio a tantos detalhes, em algum momento, fosse exigir da gente uma lupa de aumento.

Expor o artificialismo da sua encenação sempre foi uma constante nos filmes de Anderson, e quando ele faz um recorte no cenário para revelar todos os cômodos de um local (como nos planos-sequências dentro do submarino de A Vida Marinha, por exemplo) seus filmes de fato não parecem ir além da brincadeira de uma casa de bonecas. Mas há uma meia-dúzia de temas universais que se revelam nesse processo de desembrulhar coisas, que é a experiência de ver O Grande Hotel Budapeste (um filme que não por acaso envolve realmente pacotes e embrulhos cheios de segredos), desde o trauma da guerra até a pequena história de amor de perdição.

No fim, nesta pequena comédia que emula as velhas tramas de mistério e assassinato, o whodunit é o que menos importa. O que importa é a memória do que permanece, de tudo aquilo que se vê e que não se esquece, como uma luz que se acende uma única vez para iluminar um rosto - efeito que Anderson usa um par de vezes ao longo do filme e que já resume em si só todo o encantamento que o cinema provoca.

O Grande Hotel Budapeste | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo