O Superman teve uma jornada difícil nas telonas. Depois dos cultuados seriados cinematográficos dos anos 1940, os dois primeiros filmes com Christopher Reeve são aclamados até hoje como duas das melhores adaptações de quadrinhos de super-heróis para o cinema. A seguir, o ator estrelou dois dos mais controversos filmes do gênero, mas permaneceu para sempre no imaginário dos fãs de como o personagem deveria ser no cinema (e mesmo nos quadrinhos). Com isso em mente, Bryan Singer fez um incompreendido filme-homenagem que desagradou a maioria especialmente pela sua falta de fisicalidade - algo essencial para o maior herói de todos.
Anos depois, satisfeita com o sucesso da trilogia Cavaleiro das Trevas, a Warner Bros. deu carta branca ao produtor Christopher Nolan para que ele produzisse um novo rumo nas telonas ao primeiro de todos os super-heróis. Ainda que a necessidade de se explicar do cineasta (aqui muito menos incômoda que em seus filmes anteriores) continue presente, diferente do que muitos imaginavam, porém, Nolan não fez pesar sua mão em O Homem de Aço, que nada tem de "sombrio", herdando do realizador apenas o realismo que sempre o interessou.
Chamado para dirigir, Zack Snyder - de certa forma traumatizado com o resultado de Sucker Punch, em que mergulhou em seu próprio estilo -, tenta desesperadamente não ser ele mesmo, emulando outros cineastas com seu filme. Comparar os flashbacks em Smallville com o trabalho de Terrence Malick (A Árvore da Vida) é obrigatório, com o alienígena crescido na Terra contemplando a beleza da vida e explorando os EUA. São nessas cenas que o público consegue se relacionar com Clark Kent (Henry Cavill), vê-lo não como um alienígena, mas como alguém com sentimentos tão comuns quanto os seus.
A seguir, O Homem de Aço pega emprestado brinquedos da caixa de J.J. Abrams, enchendo a tela com "flares" e brilhos que fariam a Enterprise empalidecer. A ação e urgência, somadas à câmera na mão, lembram o trabalho do diretor de Além da Escuridão - Star Trek e Super 8.
Isso tudo combinado a um resquício do estilo do próprio Snyder, que filma lutas como ninguém, com seus takes mais longos e físicos, privilegiando o impacto. Aqui, não só Kal-El (Henry Cavill) parte para a porrada, como até seu pai, Joe-El (Russel Crowe, ótimo), abandona a fachada de cientista calmo para revelar-se um sujeito cheio de recursos e capaz de tudo para defender a família e o planeta. Completa o mix aquele visual dessaturado, um tanto bruto e sisudo, que Nolan tornou tão popular em O Cavaleiro das Trevas. Não é difícil imaginar os dois heróis juntos no cinema, afinal, e já surgem pistas de que isso pode acontecer.
Contado em fragmentos, com boas elipses (o corte que acontece depois da queda da nave no Kansas é surpreendente) e flashbacks emotivos, O Homem de Aço não é um filme de heróis típico. Entre cenas que buscam emotividade, permite-se explosões de fisicalidade e grandiloquência no melhor estilo Os Vingadores (um dos asseclas do General Zod é o Hulk perfeito) com direito a momentos que lembram a devastação épica de Transformers 3 e as lutas da série animada Dragon Ball Z, com deuses se engalfinhando e cidades caindo no processo. Tudo isso embalado pela trilha de Hans Zimmer, que nada ecoa o clássico tema setentista de John Williams, acrescentando urgência ao filme.
O resultado parece um dos filmes mais caros já criados, prova de que a Warner Bros. acredita na visão de Nolan e Snyder e no lugar que seu maior super-herói deveria recuperar nas bilheterias e no imaginário pop.
Entre esses arroubos épicos, há um filme menor ali, sobre um homem em busca de sua própria identidade, alguém em uma jornada de autoconhecimento que o levará a diversos cantos dos EUA, tendo como bagagem apenas os valores dos pais. O roteiro de Nolan e David S. Goyer é bastante claro na maneira como vê o Superman. Como nas análises clássicas, aqui ele é o messias, o enviado à Terra para guiar-nos, incompreendido e temido pelas forças vigentes. Há pelo menos três passagens que não deixam margem a dúvidas: Superman é Jesus Cristo em O Homem de Aço (o vitral da igreja, a menção à idade e a partida cruciforme da nave de Zod) e as implicações religiosas desse fato, ainda que pouco exploradas (provavelmente pelo afastamento que gerariam no público), interessam os realizadores. É aí que entra o realismo de Nolan: no interesse pelas implicações filosóficas, sociais e religiosas da descoberta de que não estamos sozinhos no universo.
Com sua atuação, Henry Cavill apaga qualquer comparação que poderia existir com Christopher Reeve. Ele é seu próprio Superman, Clark Kent e Kal-El. Interpreta com emoção (note os olhos marejados nas cenas com Diane Lane, que sequer pedem esse tipo de entrega, e a excelente cena em que - aos 30 e poucos - aparece adolescente) e com a ferocidade que determinadas sequências requerem. No meio de tudo isso, arranca suspiros de parte do público aparecendo sem camisa em diversas ocasiões. Igualmente competente está Michael Shannon, ator conhecido pela imersão, aqui mais surtado do que nunca. Seu General Zod é obcecado e irredutível, mas tem suas razões para tal, já que é um escravo de seu próprio papel, a representação alienígena da ordem e da proteção. A ele nunca foi dada nenhuma opção de escolha pela sociedade kryptoniana - e isso o torna um vilão dos melhores que já vimos em qualquer filme baseado em quadrinhos.
O elenco secundário é igualmente determinante no sucesso do filme, para situar o herói entre dois mundos. De um lado, Kevin Costner e Diane Lane. Do outro, Russel Crowe e Ayelet Zurer (Lara), cada um representando um conjunto moral que Superman necessitará para definir seu lugar - ele é o único kryptoniano capaz de tal escolha e esse tema, o do livre-arbítrio, dá ainda mais peso ao subtexto religioso do filme, que acaba até mal-desenvolvido depois de tanta construção.
Completa o elenco principal Amy Adams, como a icônica jornalista investigativa Lois Lane, ela também com seus próprios dilemas morais. Ainda que a personagem esteja perfeitamente alinhada com a criação das HQs, a necessidade de colocá-la no centro da ação é um dos pontos fracos do filme. Provavelmente inseguros se o público se relacionaria efetivamente com Clark, deram a Lois a função de ser a âncora da humanidade no filme. O problema é que isso gera alguns momentos incompreensíveis (como o convite para subir a bordo da nave de Zod). E como em todos os filmes escritos por Nolan, o amor (mesmo que nascente) é mais roteirizado do que efetivamente sentido. Salva-se ao final a última cena, graças à atuação da competente atriz.
Ainda que o roteiro insista em martelar seus temas principais a cada 5 minutos, não deixando nada para a imaginação ou interpretação (a Warner Bros. não aprendeu nada com o "medo" de Lanterna Verde), o espetáculo visual que é O Homem de Aço, porém, escapa incólume e diverte, com um desfecho que marca quem é este novo e sisudo Superman, que chega adaptado ao momento, carregando os valores pelos quais é conhecido, mas alguém que é capaz de reagir e tomar o controle da situação. Ainda que seu "S" represente a esperança, um Homem de Aço para tempos lamentavelmente menos otimistas e inocentes.
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O Homem de Aço estreia em 14 de junho nos EUA e 12 de julho no Brasil.