A nostalgia de uma França que não existe mais une o cinema de Jacques Tati (1907-1982) e do quase cinquentão Sylvian Chomet. Os filmes de Tati, como Meu Tio (1958) e Playtime (1967), formam pela via da pantomima uma peça única de resistência contra as rápidas transformações do país no pós-guerra, enquanto As Bicicletas de Belleville (2003), o primeiro longa de Chomet, sobre uma avó que basicamente tenta salvar seu neto das brutalidades da América, lida com o mesmo tipo gracioso de protecionismo.
o mágico
mágico
Tati viveu pessoalmente a imposição da vanguarda, e no caso de Chomet a coisa está mais para terapia de regressão. Os franceses, de qualquer forma, sempre tendem às ilusões de pureza, desde Asterix até José Bové, e vai muito do espectador simpatizar ou não com essa postura. É possível ver os filmes de Tati e Chomet como um resgate de uma França mais calorosa e menos cínica. Mas dá pra enxergar ali também - especialmente hoje em dia, com as xenofobias de Sarkozy - uma saudade de quando o país era culturalmente mais preto e branco e menos acinzentado.
Tudo isso foi para dizer que O Mágico (L'Illusionniste, 2010), o segundo longa dirigido por Chomet, baseado em um roteiro inacabado de Tati, embora seja absolutamente auto-referencial, é também uma evolução de pensamento. Continua o embate agridoce do velho contra o moderno, mas as transformações do mundo, antes recusadas, são recebidas já com um pouco de serenidade. Chomet aprendeu, em sua nova animação, a se aproximar do novo para tentar entendê-lo (e quem sabe aceitá-lo).
Em O Mágico o novo é representado pela menina Alice, escocesa que, encantada com os truques do ilusionista do título, se esconde em sua bagagem e passa a acompanhá-lo na sua modesta turnê. Os dois se instalam em Edinburgo (cidade eternamente à moda antiga onde Chomet mora e trabalha). Como os números com coelhos e cartolas estão perdendo espaço para as bandas de rock, o mágico decide arrumar outros empregos para seguir maravilhando Alice dia após dia.
É como enxugar gelo, evidentemente. O mundo sempre foi dos jovens, não importa em que década se passa o conflito de gerações, e cabe ao mágico - criado à imagem de Tati e cujo nome, Tatischeff, é o sobrenome real do cineasta - encantar a todos com suas tentativas frustradas de se enquadrar às mudanças. Chomet emula o timing de comédia de Tati; se O Mágico não tem a velocidade de As Bicicletas de Belleville, então compensa com essas pequenas gags coreografadas que não vão envelhecer nunca.
Os comentários contra o consumismo (o último palco de Tatischeff não seria outro senão a vitrine) e contra a lógica capitalista (a loja de penhor recebe o nome de dois primeiros-ministros trabalhistas do Reino Unido, Tony Blair e Gordon Brown) estão bastante presentes, mas não transformam O Mágico em um panfleto. O lado amargo sobressai sobre o doce no retrato do velho palhaço de circo (se os mágicos estão saindo de moda, imagine os palhaços), mas a imagem que fica é a da felicidade de Alice.
Quanto ao ilusionista, este parece em paz com a sua vocação para o altruísmo. O Mágico, no fim, embora pareça se prender ao passado (e a procura por auto-preservação implica uma certa vaidade), na verdade é uma defesa do ofício de artista como um ato de desapego.
Assista a seis cenas
O Mágico | Cinemas e horários