Saber que a história de O Mensageiro é largamente inspirada na experiência da diretora Lúcia Murat como prisioneira da ditadura militar, no final dos anos 1960, dá uma boa perspectiva da disciplina que foi necessária para contar essa história sem transformá-la em um exorcismo de demônios pessoais ou um discurso político inflamado - até porque não faltam exemplos de filmes com históricos similares que caem nessas armadilhas, a despeito das boas intenções. Talvez ajude, nesse sentido, a senioridade: Murat faz filmes há quatro décadas, e já levou histórias da ditadura para o cinema várias vezes, vide Que Bom te Ver Viva (1989) e Quase Dois Irmãos (2004).
Dentro desse contínuo, O Mensageiro se revela um filme nascido da reflexão, e não do calor da revolta. Na trama, Vera (Valentina Herszage) é presa por suas atividades na luta armada. A busca desesperada dos pais, de uma família de classe média alta, é ajudada por Armando (Shi Menegat), um jovem soldado que trabalha na prisão onde a protagonista é mantida - e que aceita levar uma mensagem clandestina para a família da ativista. O texto do filme, assinado por Murat e Tunico Amâncio, se concentra então em dois conflitos: o de Armando com a moralidade dos atos do regime ao qual serve; e o da mãe de Vera, Maria (Georgette Fadel), com a passividade de seu status social e religiosidade diante dos horrores perpetuados, agora, no corpo da filha.
O Mensageiro busca, assim, manter a sobriedade do tom sem perder de vista a humanidade de seus sujeitos. Murat está interessada em saber como funcionam as relações que seguram os personagens em seus lugares, mesmo diante do ultraje político ou moral do que está acontecendo nos seus arredores - nos mecanismos da apatia que são tão importantes para a extensão de um regime autoritário quanto a brutalidade da tortura. O filme mergulha na pressão de grupo da masculinidade, na inércia inerente ao sistema de classes, no conflito entre a filosofia de solidariedade do cristianismo e os ideais do conservadorismo político. E não economiza nas conclusões condenatórias que tira de todos esses conflitos.
Há também em O Mensageiro, no entanto, a vontade inconfundível da conciliação - ou, ao menos, de compreensão do processo que nos trouxe até aqui, separados há décadas do momento histórico retratado, mas ainda assombrados por ele em movimentos políticos que ecoam seus ideais e encontram apoio popular. Murat propõe que essa compreensão só pode ser alcançada através do reconhecimento da humanidade do processo e das pessoas envolvidas nele, da capacidade de transformação de cada uma delas, e da necessidade de diálogo (de preferência, mediado pela Justiça) para operar essa transformação. Quase à moda Scorsese em Assassinos da Lua das Flores, a diretora até aparece diante da câmera no terceiro ato, para explicitar alguns aspectos filosóficos que se desdobram a partir da trama.
Até esse impulso final ao didatismo, no entanto, se integra bem à toada de O Mensageiro. Impregnado de perspectiva histórica e hábil no desenho dos arcos narrativos que justificam sua existência como filme, ao invés de mera palestra política, o longa se impõe como adição importante e bem refletida a um métier ainda dolorosamente limitado dentro da arte brasileira.