Não é de agora que estamos nos habituando com a ideia de conviver com um permanente fim do mundo, mas essa realidade ainda traz consigo alguma perplexidade. Pelo menos é nisso que aposta o filme O Mundo Depois de Nós, que o diretor Sam Esmail (Mr. Robot) adapta do romance homônimo de Rumaan Alam lançado no fatídico ano de 2020. Como estranhos se comportam – e interagem – diante da novidade do fim do mundo?
No longa, acompanhamos a família de Amanda (Julia Roberts), uma executiva de publicidade, Clay (Ethan Hawke), um professor universitário, e seus dois filhos, Rose (Farrah Mackenzie), que é viciada em Friends, e o adolescente Archie (Charlie Evans). Eles estão se preparando para deixar a cidade e desfrutar de alguns dias de férias em uma casa de praia em Long Island, que, com paisagens paradisíacas e uma atmosfera tranquila, parece ser a escolha perfeita para escapar do caos da cidade. No entanto, rapidamente, esse cenário idílico começa a ser palco de incidentes estranhos, como um navio de cruzeiro que se aproxima da costa e colide com banhistas, a queda da conexão Wi-Fi em toda a região e a invasão de animais selvagens na propriedade.
Apesar de todos esses eventos estranhos – que trazem ao imaginário do filme essa sugestão de perplexidade que já falta à nossa realidade aqui do lado de fora – o que realmente perturba Amanda é receber dois estranhos na sua porta, certa madrugada: G.H. (Mahershala Ali) e sua filha Ruth (Myha'la) buscam abrigo após um apagão atingir a cidade de Nova York. Assim como outros filmes de desastre, como Twister e até mesmo Melancolia, O Mundo Depois de Nós explora a dinâmica de estranhamento que se estabelece quando personagens diferentes precisam conviver no mesmo espaço enquanto tentam compreender o que está acontecendo. A diferença aqui é a ênfase em comentários sobre o racismo envolvendo um pai negro e sua filha.
A tensão racial entre as duas famílias é um dos únicos temas devidamente explorados nas quase 2h30 de filme. De resto, a produção não parece ter uma direção clara sobre o que se propõe: é uma visão específica de como as pessoas enfrentam o fim do mundo que conhecemos ou uma crítica à dependência da tecnologia? Paranoia americana, teorias da conspiração, catástrofes da natureza e racismo se enfileiram nos temas do filme menos como um pensamento organizado e mais como sintomas de um desarranjo social que Esmail nota e traz para o filme a título de interrogação. Nada é muito aprofundado, enquanto a trilha sonora estridente, composta por Mac Quayle (American Horror Story), tenta dar conta de uma dramaticidade que o texto do filme não consegue suprir.
O Mundo Depois de Nós acaba parecendo mais com um episódio ruim de Black Mirror, sem aquele parágrafo final que arremata um textão ideológico. No entanto, se o algoritmo da Netflix tem mostrado predileção em filmes de fim de ano que oferecem uma visão distópica da sociedade e do mundo, como Bird Box e Não Olhe Para Cima, é muito provável – e para a sorte dos executivos da plataforma – que O Mundo Depois de Nós repercuta minimamente e siga o mesmo caminho de sucesso.