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O Peso do Silêncio | Crítica

Filme-epílogo de O Ato de Matar funciona mais como cerimônia de luto do que como investigação do mal

08.10.2015, às 08H38.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

O Ato de Matar (2012) é um dos documentários mais desconcertantes que alguém pode fazer. Vai à Indonésia atrás de torturadores e esquadrões de extermínio da época do golpe militar nos anos 1960 e encontra homens, encantados com a ideia do gangsterismo, afoitos para reencenar os assassinatos que cometeram no passado, como se estivessem fazendo um filme de máfia.

O Peso do Silêncio (The Look of Silence, 2014), a continuação de O Ato de Matar, funciona como um epílogo. Depois de ter feito um longa que trata do poder das imagens e do cinema como forma de preservar uma memória (e uma culpa), o diretor Joshua Oppenheimer se rende à tentação de completar o registro, e neste novo filme vai atrás do outro lado - as vítimas que frequentemente se calam na Indonésia, diante dos torturadores que continuam no poder.

Se o resultado fica bem aquém do alcance de O Ato de Matar, é porque obviamente o ponto de vista das vítimas tende a ser mais direto e menos complicado que a sinuosa perspectiva dos assassinos. O Peso do Silêncio parece ficar o tempo todo dando soco em ponta de faca, em depoimentos que colocam o sobrevivente frente a frente com os torturadores e suas famílias, para não tirar mais dessas cenas do que alguns instantes de constrangimento.

Embora Oppenheimer entreviste o político líder do legislativo local, não há aqui uma noção de um terror institucionalizado, como havia em O Ato de Matar, nas cenas envolvendo a mídia e as demonstrações públicas da milícia. Em O Peso do Silêncio, embora as cicatrizes sejam ostensivas (resumidas na figura doente do pai do oculista), o terror é mais uma memória passada a seus herdeiros, e o poder que o filme tem então de revivê-lo em imagens (e a partir daí expurgar esse terror) fica mais limitado.

O Peso do Silêncio fala mais, na verdade, de questões culturais da Indonésia. Aqui fica mais evidente do que em O Ato de Matar como a religião define o julgamento que as pessoas fazem não só dos crimes do regime militar como também dos comunistas. Com frequência, personagens mencionam a religião como uma forma de encerrar o assunto - seja para justificar os crimes, seja para delegar ao além-vida as punições aos torturadores.

Essa interiorização da dor, reflexo da religião, traz consigo um silêncio que Oppenheimer logicamente percebe, daí o título do filme. O diretor refaz algumas das relações que esboçou no longa anterior - como registrar cenas dentro de um shopping asséptico, sem vida, para simbolizar a herança deixada pelo capitalismo americano - mas dá mais importância ao som, especificamente à ausência dele. O shopping silencioso fica parecendo um mausoléu, e a falta de música ao longo do filme faz de O Peso do Silêncio mais uma cerimônia de luto do que, necessariamente, uma investigação do mal.

Nota do Crítico
Bom