A relação entre homem e espaço no cinema é carregada de emoção. Mesmo filmes baseados em fatos sobre a corrida espacial priorizam o lado hollywoodiano, romantizando feitos e situações. Há um flerte constante com a ficção científica, ainda que se trate de uma história real. Em O Primeiro Homem, Damien Chazelle toma o caminho oposto para narrar a chegada do homem à Lua. Pela ótica de Neil Armstrong, o filme observa calmamente a trajetória de oito anos até que o grande passo para a humanidade fosse dado.
É uma abordagem sustentada tanto pelo protagonista - um homem de pouquíssimas palavras e expressões -, como pelas escolhas de Chazelle e do roteirista Josh Singer (baseado no livro de James R. Hansen). A câmera na mão do diretor de fotografia Linus Sandgren dá preferência para luz natural e simula um documentário para fugir da idealização dos eventos - o ponto de vista é próximo, reproduzindo a percepção dos envolvidos. As situações registradas são pessoais e também burocráticas, o que acentua a noção de que a chegada à Lua foi um processo longo, difícil e, em boa parte do tempo, chato.
Isso não significa que O Primeiro Homem seja monótono. Chazelle repete a parceria com o compositor Justin Hurwitz e o montador Tom Cross (de Whiplash e La La Land) para estabelecer cadência pela sincronia entre som e imagem. O silêncio também integra essa colaboração, potencializando o impacto de momentos-chave. A perspectiva intimista/realista, que reproduz a sensação claustrofóbica dos veículos espaciais e mesmo a aparente precariedade das aeronaves, se transforma assim que Armstrong e Buzz Aldrin pisam na Lua. Sem trilha ou efeitos sonoros, a imagem passa do tradicional formato widescreen para a amplitude do IMAX.
É um momento cuja importância depende da longa preparação que o antecede para ser mais do que mero conceito. Chegar à Lua foi a realização de muito trabalho e sacrifício, não de algumas doses de heroísmo. O mais importante, segundo Chazelle, é entender como um homem rompeu barreiras para todo um planeta e continuou a ser apenas humano. Essa relação está implícita na famosa frase de Armstrong - “Um pequeno passo para o homem, um grande passo para humanidade”. O feito coletivo é grandioso e histórico, mas sua realização depende de esforços individuais, tanto de astronautas e engenheiros, como das suas famílias.
Mantendo o senso prático, o filme constrói uma base emocional sólida sem recorrer a clichês. Feito do roteiro, que evita discursos sentimentais fabricados, e do elenco. Se Ryan Gosling se encaixa perfeitamente no charme inexpressivo de Armstrong, Claire Foy dá força para a representação de Janet, sua esposa. Dramas cotidianos se misturam a conquista do espaço em plena Guerra Fria, reforçando as contradições de um homem corajoso o suficiente para realizar o impossível, mas incapaz de ter uma conversa franca com os filhos.
O casal protagonista, assim como o elenco de apoio - incluindo Kyle Chandler (Deke Slayton), Lukas Haas (Mike Collins), Jason Clarke (Edward Higgins White), Corey Stoll (Buzz Aldrin), Patrick Fugit (Elliott See), entre outros -, garante que a aspiração por realismo de Chazelle seja correspondida. Não se trata da reconstituição fidedigna de tudo e todos, mas da capacidade empática de uma narrativa que percorre oito anos para contextualizar uma missão de oito dias e cujo ápice, a aterrissagem no satélite terrestre, tem duas horas e quarenta e cinco minutos de duração.
Há muito a ser dito e a distância entre o primeiro e o último ato exige paciência. As decisões estéticas/narrativas garantem a ambientação para estabelecer a diferença entre esse e outros filmes sobre o mesmo tema e cabe ao elenco comunicar a linguagem escolhida. O resultado harmônico na soma de todas essas intenções atesta a clareza na direção do longa: O Primeiro Homem sabe o que dizer e como dizê-lo. A rota não é convencional para uma biografia, tampouco para um filme sobre descobertas espaciais. O resultado, contudo, deixa uma marca tão duradoura quanto as pegadas de Armstrong e Aldrin, que permanecem até hoje na superfície lunar.