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Crítica

O Projeto Adam traz viagem no tempo com ação genérica, mas drama tocante

Apesar de elenco afiado, filme da Netflix desperdiça potencial de ser mais que competente

11.03.2022, às 16H57.
Atualizada em 11.03.2022, ÀS 17H23

Do desespero de Charlton Heston frente à Estátua da Liberdade, em O Planeta dos Macacos (1971), ao germinar do multiverso da Marvel, em Vingadores: Ultimato (2019), pouco ou nenhum espaço foi deixado no cinema para explorações inéditas do conceito de viagem no tempo. O Projeto Adam se esforça para conseguir isso por meio de uma mistura de nostalgia, pós-modernismo e um surpreendentemente genuíno sentimentalismo, mas derrapa porque o roteiro de Jonathan Tropper, T.S. Nowlin e Jennifer Flackett e a direção de Shawn Levy não conseguem dosar igualmente esses ingredientes.

O resultado é tão inesperado quanto frustrante: enquanto acerta em cheio na caracterização dos personagens e no impacto dramático de suas relações, o longa da Netflix transforma os elementos que deveriam proporcionar um espetáculo de ficção em ruído, pois insiste em minar a profundidade emocional de seu drama e humor singulares com rompantes genéricos de ação.

A trama traz Ryan Reynolds repetindo com menos sucesso a parceria com Levy que rendeu o irresistivelmente divertido Free Guy - Assumindo o Controle (2021). Trazendo ecos de sua interpretação fracassada de Hal Jordan em Lanterna Verde (2011), o astro vive Adam Reed, um piloto do ano 2050 que rouba uma aeronave capaz de viajar no tempo. A bordo da geringonça, o bonitão vai parar em 2022, quando tinha 12 anos de idade, problemas com asma e apanhava de valentões no colégio. Obrigado a recrutar seu eu adolescente (Walker Scobell) para o cumprimento de uma missão para lá de pessoal, Reed se vê na mira da implacável Maya Sorian (Catherine Keener): uma mulher envolta em interesses escusos que é ex-sócia do pai morto do piloto, Louis (Mark Ruffalo) — físico que acidentalmente tornou-se patrono da tecnologia que viabilizou a viagem temporal.

Tanto som e fúria significa pouco mais que nada em O Projeto Adam, um filme que existe muito mais para versar sobre luto e amor do que sobre pseudociência de tela grande. Cumprindo a cartilha exigida pelo cinema-pipoca da atualidade, Tropper, Nowlin e Flackett obrigam Reynolds a apresentar já no primeiro terço do filme todas as regras de viagem temporal que ditarão o pouco mais de 1h40 de duração da trama. O resultado é que qualquer chance de fascínio ou descoberta com o desenrolar das idas e vindas cronológicas acaba sacrificado. “Só existe um lugar no tempo onde você pertence, em um nível quântico”, ele diz, rejeitando uma referência ao multiverso dos Vingadores levantada por Scobell e cravando o apagamento de qualquer realidade alternativa a partir de sua interferência no passado: “Esse é o seu tempo fixo”. Obviamente, não é uma interpretação inédita nas telonas, e também obviamente, avisa o espectador mais escolado no gênero que o terceiro ato do longa guardará aquela velha história sobre abrir mão de uma realidade alternativa ideal em prol do bem maior. Pois que rolem os créditos, obrigado e tchau.

Ou não, porque sempre que permite aos seus personagens o espaço para interações mais descompromissadas, O Projeto Adam se eleva a algo similar a uma comédia dramática de primeira linha. O texto de Tropper, Nowlin e Flackett, enquanto pedestre no seu trato dos elementos de ficção científica, é ácido e frenético em suas passagens humorísticas, mas profundo e ressonante em seus picos dramáticos. Em ambos esses momentos, a direção de Levy navega bem o limiar do piegas, amarrando com certa finesse as transições de tom. Experiente em navegar essas sutilezas, Reynolds brilha especialmente quando derruba sua típica faceta irônica e se mostra vulnerável, ao mesmo tempo em que o estreante Scobell rouba cenas justamente por evocar com maestria os maneirismos ofensivos do Mercenário Tagarela das telonas.

Como Ellie, a mãe de Adam, Jennifer Garner (Elektra) acaba relegada a um papel de coadjuvante de luxo, mas é na única cena que divide com Reynolds que O Projeto Adam alcança seu ápice. Sentados no mesmo balcão de bar, ambos partilham do luto pela morte prematura de Louis — ela, sem saber que o homem que a conforta com belas palavras é seu filho já adulto. Permitindo que o público testemunhe o reencontro físico de uma pessoa com o seu passado, atravessado pelo filtro universal da dor da perda e do amor familiar, esse momento sim consegue empregar a viagem no tempo de forma legítima e envolvente. É reconfortante, inclusive, como ele rapidamente rejeita a possibilidade de repetir De Volta Para o Futuro (1985) e não cai na armadilha de pincelar qualquer interesse amoroso incestuoso entre mãe e filho.

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O espaço reservado a Garner (que pelo menos divide uma cena fofa com Ruffalo, relembrando o clássico da Sessão da Tarde De Repente 30) na trama é similar ao guardado para Laura (Zoë Saldaña), com a diferença de que a atriz do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) ganha a chance de protagonizar a melhor sequência de ação do filme — e ao som da antológica “Good Times Bad Times”, do Led Zeppelin. Esse maior envolvimento na parte aventuresca do longa, entretanto, sai como um tiro na culatra quando Saldaña é repentinamente excluída do restante da produção. Fica, como em alguns outros momentos de O Projeto Adam, a sensação de que faltaram algumas revisões de roteiro antes das câmeras começarem a rodar. O que, aliás, não deveria ser o caso.

Idealizado em 2012, quando deveria ter sido estrelado por Tom Cruise, o filme passou todos os anos até 2020 se arrastando entre idas e vindas de pré-produção. Adquirido há dois anos pela Netflix, O Projeto Adam poderia ter tido mais algumas arestas aparadas nesse generoso meio-tempo, definindo melhor seus pontos fortes e os explorando mais a fundo.

Porque, por mais que use suas muitas referências pop em primeiro plano e sem pudor (Star Wars, De Volta Para o Futuro, o MCU, Deadpool e até Nicolas Cage viram piada nas bocas de Reynolds, Scobell e Rufallo), O Projeto Adam não consegue fugir do genérico quando mergulha na pretensão de ser cinema-pipoca de ficção científica e ação. Um pouco mais de ponderação poderia ter deixado claro que o caminho cômico-dramático elevaria a produção para além do competente, quem sabe até salvando o público e a pobre Catherine Keener de testemunhar uma versão rejuvenescida em CGI que é absolutamente horrenda, conseguindo a proeza de ser infinitamente pior que o bonecão de jovem Jeff Bridges massacrado pela crítica em Tron - O Legado (2010).

Ah, se pudéssemos voltar no tempo!

Nota do Crítico
Bom