Filmes

Crítica

O Protetor 2

Filme consegue articular boa ponte entre o mito e o presente apesar de toda a pregação

15.08.2018, às 15H39.
Atualizada em 15.08.2018, ÀS 16H04

Das franquias que se multiplicam com atores veteranos em papéis de máquinas de matar, O Protetor provavelmente é a que mais busca se orientar por um senso moral. A adaptação ao cinema preserva o cruzamento de vigilantismo e justiça social da série de TV oitentista The Equalizer e - muito por conta da presença do diretor Antoine Fuqua e do astro Denzel Washington - reforça-lhe o caráter de pregação dos justos.

Sony Pictures/Reprodução

O Robert McCall de Denzel Washington não é o personagem mais interessante do mundo; seus fantasmas do passado são muito mais lembranças do luto do que necessariamente assombrações de um ofício discutível. Na falta de conflitos internos, McCall permanece de pé em O Protetor 2 com o que Denzel Washington pode oferecer: seus trejeitos característicos, o carisma que transpira nos sorrisos e nas broncas, o jeito pastoral de discursar.

A questão da pregação é central, porque O Protetor 2 - ao contrário dos thrillers de vingança que tratam o mal mais como um dado estatístico ou uma entidade impessoal (as máfias, os matadores de iniciativa privada, os pequenos ladrões e sequestradores) - nos diz em vários momentos que o mal, associado ao pecado, espreita e corrompe os pobres de espírito. Numa cena, por exemplo, um passageiro do táxi de McCall recorre à Bíblia para não sucumbir à bebida. O próprio Denzel surge em cena lendo Ta-Nehisi Coates e vestido de muçulmano na sequência do trem na Turquia, o que logo de cara já evoca as trajetórias cruzadas do Islamismo e do movimento negro americano para reivindicar uma primazia da correção moral.

Esse tipo de reivindicação não é novidade para Denzel Washington (que aliás já fez no cinema o principal símbolo desse cruzamento, Malcolm X), nem para Antoine Fuqua, que filme após filme se vê sempre tentado a regressar ao estilo urbano cru, de tintas morais mais pesadas, do seu Dia de Treinamento. O Protetor 2 adapta e atualiza questões sociais, defende as minorias num novo contexto (não apenas os desfavorecidos, mas principalmente os alvos de ódio, como os imigrantes árabes), mas o discurso não muda: Denzel bate na porta de traficantes para não deixar os garotos fugirem da escola, dá sermão e indica livros, com os olhos marejados. Embora este filme seja uma continuação, é um perfil de personagem que o ator carregava consigo antes da franquia, e cuja entrega Denzel já automatizou.

Esse sentimento de déjà vu não favorece O Protetor 2, e o filme vai erodindo com o passar do tempo, a cada nova virada mais ou menos manjada: a responsabilidade com a vizinhança que se transforma em perigo, a revelação do vilão sem moral que na verdade não surpreende ninguém. Fuqua pesa a mão, como lhe é de costume, e não por acaso o próprio vilão se diz cansado de Robert McCall ser todo esse paladino dos bons valores. Nesse sentido não custa lembrar mais uma vez por que os filmes de Liam Neeson com Jaume Collet-Serra são tão especiais, porque neles fala-se apenas o imprescindível.

Ainda assim, existe em O Protetor 2 a articulação dedicada de uma visão de mundo. Toda a sequência final, que acontece num contexto de tempestade marinha para transformar a cidadezinha litorânea de McCall num cenário deserto de faroeste, ajuda a ligar passado e presente. De um lado, temos McCall como a figura do pistoleiro solitário à John Wayne, fadado a realizar seu trabalho civilizatório e moralizante até o fim dos seus dias (os planos finais de McCall sentado diante da janela na casa da praia evocam de John Ford a Clint Eastwood). Do outro lado, o presente, o lado urbano das pequenas comunidades cosmopolitas, o contato constante com a diferença (bem representado no ofício de motorista). O Protetor 2 une meio sem jeito esses dois pólos - não só o passado com o presente mas também o mítico com as identidades desconstruídas - e ao fim residem aí suas particularidades.

Nota do Crítico
Bom