Quando disse em entrevista que não considera seu O Regresso (The Revenant, 2015) um faroeste, porque "o problema com gêneros é que eles vêm da palavra 'genérico'", o diretor Alejandro González Iñárritu não apenas demonstrou que nunca ganharia um Oscar de etimologia. Especialmente, deixou evidente a prepotência que norteia seu cinema: a crença numa experiência transcendental não como uma consequência dos filmes mas como um ponto de partida.
É atrás dessa experiência de encomenda que o diretor vai, quando convoca para O Regresso o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, a figurinista Jacqueline West e o desenhista de produção Jack Fisk - três profissionais que trabalharam com Terrence Malick em outro faroeste revisionista, O Novo Mundo (2005). Se Malick se tornou com os anos um cineasta da transcendência como commodity - seus filmes contemplativos, banhados de contraluz e organizados como um poético fluxo de consciência hoje beiram a autoparódia - Iñárritu pega para si o estilo sem desconfiar dessa carga.
O resultado é que O Regresso, embora seja seu filme mais festejado na mídia e nas premiações de Hollywood, é também o mais desesperado por uma legitimação arthouse. Se os trabalhos anteriores de Iñárritu partiam de uma megalomania temática - falar de todo o mal da globalização em Babel, de toda a miséria da vida em Biutiful, de todo o ridículo da indústria da arte em Birdman - O Regresso, um filme cheio de som e fúria que só toca marginalmente e com casuísmo em questões da formação da identidade americana, tem na megalomania formal seu começo e seu fim.
É uma miopia que se traduz, na tela, na forma como a história de sofrimento de Leonardo DiCaprio é encenada. Ainda que ganhe seu esperado Oscar, o ator sempre será um coadjuvante diante dos verdadeiros protagonistas de O Regresso: as grandes-angulares de Lubezki, o pôr-do-sol do Canadá, os movimentos de câmera sobre um mesmo eixo (que se combinam com as grandes-angulares e ficam uma coisa meio pau-de-selfie de arte). Até a respiração que embaça a lente parece mais importante que a figura de DiCaprio, porque também denota a presença exibicionista do autor.
O que fica faltando ao fim é a tal transcendência: com frequência Lubezki encerra planos virando a câmera para a copa das árvores, em busca de um sentido metafísico ou de uma justificativa divina para as desgraças que filma, mas acontece que o céu não tem todas as respostas - não importa o "templo" em que se assista a O Regresso.