Ora banhados pela luz, ora imersos na sombra, os personagens de O Rio do Desejo, por mais que queiram, não conseguem negar a própria natureza. No filme, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (23), a direção segura e sensível de Sérgio Machado e a exuberante fotografia de Adrian Teijido sublinham a complexidade das relações entre três irmãos que se apaixonam pela mesma mulher. Entre erros e acertos acerca do desejo que corre nas veias, toma de assalto os corpos e insiste em transbordar, mesmo sendo represado, cada um carrega consigo essa dualidade até o fim e precisa encarar as consequências de suas escolhas.
Ambientada na Amazônia, a trama é uma adaptação do conto "O Adeus do Comandante", de Milton Hatoum. Um breve prólogo apresenta o primeiro encontro entre o policial Dalberto (Daniel de Oliveira) e Anaíra (Sophie Charlotte). Em meio a uma situação inusitada, a paixão é quase instantânea. Logo a vida na polícia fica para trás, e agora ele tem o sonho de uma vida nova pela frente, ao lado da amada e a bordo de seu barco, o Princesa Anaíra. Mas uma longa e inesperada viagem até Iquitos, no Peru, afasta temporariamente o casal e estremece a dinâmica familiar. Ela fica na casa de Dalberto e de seus irmãos, Dalmo (Rômulo Braga) e Armando (Gabriel Leone), que logo se veem atraídos pela cunhada.
Em todas as pontas desse quadrado amoroso, o elenco se mostra um grande acerto. A Anaíra decidida, impulsiva e divertida de Sophie Charlotte é construída de forma delicada e encantadora. A atriz nos convence de imediato de que o amor por Dalberto é intenso e sincero, mas também quando a personagem se vê sufocada naquele lugar, ansiando por liberdade. Inocência e culpa aqui ganham novos significados. O que ela realmente sabe sobre o que se passa ao seu redor? Como realmente se sente? Livre ao deixar de reprimir seus sentimentos ou presa a uma ideia de futuro que provavelmente não existe mais? Nesse caso, duas faces da mesma moeda.
Daniel de Oliveira, Gabriel Leone e Rômulo Braga também se destacam nos momentos mais sutis, de impulso e hesitação, e nos mais explosivos, quando a camaradagem dos irmãos vai se esfacelando diante do amontoado de pecados capitais cometidos - luxúria, cobiça, ira.
O roteiro assinado a oito mãos, por Machado, Hatoum, Maria Camargo e George Walker Torres, é preciso nos diálogos e mais ainda nos silêncios. Além disso, em conjunto com fotografia, caracterização, figurino e direção de arte, trabalha muito bem os signos que revelam além do que se vê num primeiro momento: a ligação ruim que dificulta a comunicação - ou ela é só reflexo dos ruídos e desencontros dessa relação? A citação ao “fantasma do pai”, um retrato sempre vigilante na parede da sala de jantar, ou as menções secas à mãe, relegada por ter seguido o próprio desejo; a presença constante de facas, armas e espinhos, que deixam o ambiente tenso e ameaçador; o vermelho que surge na roupa e na maquiagem, remetendo a uma paixão avassaladora, mas que também aparece na sala escura, representando perigo.
Uma das sequências mais bonitas do filme é a da dança entre Anaíra, Armando e Dalmo, marcada pelo movimento dos corpos, a troca de pares, a falta de sintonia no ritmo e nos olhares. Quem conduz e quem é conduzido nessa relação? Nesse jogo de liberdade, amor e desejo, é difícil dizer - cada passo traz à tona o que cada um tem a oferecer, seja luz ou sombra.