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Filmes

Crítica

O Telefone Preto faz terror com história de amadurecimento

Sem muito interesse em assustar, Scott Derrickson explora a cumplicidade na sobrevivência

05.06.2024, às 10H47.

Esperar que O Telefone Preto seja uma experiência tão assustadora quando A Entidade não seria uma aposta arriscada. O novo filme, afinal, une os três principais responsáveis pela atmosfera aterrorizante do longa de 2012: o roteirista C. Robert Cargill, o diretor Scott Derrickson e a estrela Ethan Hawke. A imagem do psicopata interpretado por Hawke, que estampa o pôster por trás de uma máscara, também é imediatamente eficiente, prometendo um novo terror que tem tudo para traumatizar seu público. Mas os dois filmes não poderiam ser mais diferentes: aqui, Derrickson está muito mais interessado numa história de formação do que na realização direta do seu terror. 

Para já tirar todas as comparações da frente - porque isso seria injusto com a admirável originalidade de O Telefone Preto - é também quase impossível não compará-lo com It: A Coisa, já que as duas histórias contam de uma série de desaparecimentos de crianças em uma pequena cidade estadunidense, em décadas passadas, em que o responsável pelos crimes é uma figura sinistra que segura balões. Para engrossar a comparação, o conto que origina o filme vem da mente do filho de Stephen King, Joe Hill

Mas O Telefone Preto já sairia na frente, no mínimo, pelo seu completo desprezo pela nostalgia. A história do garoto Finney (Mason Thames), a mais nova vítima do Sequestrador (com letra maiúscula porque ele é assim apelidado pela cidade), é uma de perigos reais, onde a tensão está na escolha entre o bullying na escola e os abusos de seu pai em casa. Não há espaço para uma estética estilizada, trilhas sonoras carismáticas e - sejamos honestos - o que só pode ser referido como “merchan” de uma outra época. Na cidade de Finney nada é exatamente acolhedor, e os cartazes de crianças sumidas preenchem um cenário frio e desesperançoso, testamento do compromisso de Derrickson com a crueza dos eventos retratados.

É uma escolha que privilegia o que Derrickson quer contar. Na narrativa de “seu filme mais pessoal até hoje”, a infância é um filme de terror, um momento a que é preciso ser sobrevivido, seja nas mãos do Sequestrador ou de qualquer adulto. Quando Finney é jogado no bunker do psicopata, no entanto, ele encontra sua esperança no objeto do título, um telefone que insiste em tocar e transmitir as vozes dos últimos alvos do Sequestrador. Pouco a pouco, e com auxílio de seus antecessores, Finney trabalha nas fragilidades do local em que se encontra, em um contexto em que a figura de Hawke vigia e assombra - mas nunca toma o centro. 

É uma escolha deliberada que faz muito sentido com o objetivo central de O Telefone Preto, mas é difícil não se frustrar com a ausência da figura de Hawke na duração do filme. Instantaneamente ótimo pelas máscaras criadas por Tom Savini e levado à perfeição pela performance de Hawke, o Sequestrador é uma figura tão imediatamente icônica que é aflitivo vê-la em escanteio. Todas as máscaras - que variam de acordo com a cena e estado de espírito do Sequestrador - são intensas, e ver Hawke se divertindo na performance de uma figura única é o maior deleite da produção. É quase difícil não torcer por uma sequência duvidosa do longa só para que o Sequestrador retorne e nos entregue mais algumas cenas no centro do palco. 

Mas o foco aqui é a sobrevivência, onde o Sequestrador apresenta um obstáculo e aparece no bunker apenas para se dizer frustrado com a insistência de Finney em não participar do seu jogo de gato e rato. Único recurso propriamente sobrenatural de O Telefone Preto, os diálogos ao telefone são os poucos momentos escolhidos para os prometidos jump scares, que por sua repetição acabam não tão eficientes quanto poderiam ser. 

O elemento sobrenatural é complementado pelo religioso, presente na irmã de Finney, Gwen (Madeleine McGraw, em uma performance que rouba a cena em qualquer sequência em que aparece), assombrada por sonhos do que se passa com o seu irmão e insistente na tentativa de encontrá-lo. E enquanto o desenvolvimento de Gwen serve como acessório ao do protagonista, a garota é mais um componente do que interessa ao longa: explorar o amadurecimento - colocado aqui como a sobrevivência à infância - através da cumplicidade das crianças.

A tese é colocada de modo tão tocante que a surpresa principal de O Telefone Preto é se sentir comovido pelo confronto final entre Finney e o Sequestrador, em uma batalha que reconstrói cada uma das etapas do filme para se concretizar perfeitamente. É uma jornada bonita, que pode decepcionar quem esperava mais susto e menos alma, mas que nunca esquece seu foco principal: usar o fantástico como acessório a uma história muito mais assustadora por sua realidade. 

Nota do Crítico
Ótimo