Por pior que esteja a indústria automobilística dos EUA, sua mítica segue preservada, pelo menos na opinião do sul-coreano Kim Jee-woon, o diretor de A Tale of Two Sisters e O Bom, o Mau, o Bizarro que está fazendo sua estreia em Hollywood com O Último Desafio (The Last Stand).
o ultimo desafio
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Se O Bom, o Mau, o Bizarro (lançado em DVD no Brasil como Os Invencíveis) fazia uma releitura do western de Sérgio Leone até que bastante reverente, em O Último Desafio Kim se dispõe a desconstruir os mitos americanos e criar um inusitado faroeste motorizado. As antigas barricadas de sacos de areia dão lugar a bloqueios formados por carros. Um duelo de pistoleiros envolve, desta vez, Corvettes e Mustangs. Até as cavalgadas do bando de foras-da-lei é feito agora com SUVs blindados.
Se a ideia de Kim Jee-woon é fazer uma ponte entre esses dois imaginários, ligando a tradição do western à fantasia da supremacia da indústria dos EUA, nada melhor que resgatar um "muscle car" do passado como Arnold Schwarzenegger, de volta aos filmes de ação como protagonista depois de uma década. Aos 65 anos e apenas cinco centímetros mais baixo que John Wayne, Schwarzenegger sofre para acompanhar a ação mas ainda tem presença de cena para gastar.
Ele interpreta Ray Owens, o típico xerife de fronteira que, como todo herói de faroeste, carrega calado o peso de um passado traumático. Sua rotina pacata é interrompida quando ele recebe a notícia de que um chefão do narcotráfico (Eduardo Noriega), em fuga pelos EUA em um carro tunado a 300 km/h, precisa passar justamente pela cidadezinha de Ray para chegar no México. Sua missão, claro, é pará-lo.
A premissa do bloqueio sempre rendeu histórias de Velho Oeste - um par delas diretamente derivado de Os Sete Samurais, o maior filme de barricada de todos os tempos - e aqui Kim Jee-woon basicamente troca as estradas de terra por vias pavimentadas, separando o galope do vilão (que representa a máquina, a modernidade) e a teimosia do herói (símbolo de raízes, de tradição). Ao escolher fazer um faroeste sobre rodas, Kim adiciona um elemento literal - uma máquina moderna de fato - a essa dicotomia do passado contra o progresso.
Por consequência, o sul-coreano não perde oportunidades de construir suas cenas de ação em função desses carros. Elas não têm o mesmo vigor das cenas de Velozes e Furiosos 5 ou a elegância das perseguições de Drive, mas funcionam a contento, algumas melhor que outras (o clímax no milharal é mais interessante conceitualmente do que na prática). Vale notar a atenção que Kim dá para as saraivadas de tiro nas latarias dos veículos, como quando Jaimie Alexander fica encurralada ou Schwarzenegger avança pra fora do ônibus com a escopeta: para nós, os personagens estão desperdiçando munição com esses tiros, mas simbolicamente são uma demonstração de força, porque destruir os carros equivale a derrotar o inimigo.
O Último Desafio faz várias concessões ao esquematismo hollywoodiano, como as obrigações de justificar tudo (não basta o vilão ser talentoso no volante, ele precisa ser piloto de corridas) e de criar arcos dramáticos para todo mundo (o do personagem marcado-pela-guerra de Rodrigo Santoro é o mais frágil, porque é intenso demais sem que haja tempo para desenvolvê-lo). Ainda assim, Kim Jee-woon consegue dar seu toque ao material, sem perder o entretenimento de vista e sem tornar O Último Desafio um filme de exibicionismo ou de autorismos.
O Último Desafio | Cinemas e horários