Filmes

Crítica

O Último Mercenário convida Van Damme à típica comédia francesa de caricaturas

Astro belga vira o cara do espacate e da dancinha e praticamente participa do filme em espírito

06.08.2021, às 12H07.
Atualizada em 06.08.2021, ÀS 19H56

Uma mudança de hábito que dá para identificar em tempos de Netflix e séries como Dix Pour Cent e Lupin é que o grande público brasileiro parece mais permeável ao audiovisual popularesco da França. Aqueles anos de “filme francês só tem DR e gente fumando” parecem distantes quando se percebe que o cinema do país de Sartre tem também vários candidatos a Leandro Hassum.

Talvez isso torne a experiência de assistir a O Último Mercenário mais familiar para o público daqui, a julgar pela presença que o filme estrelado por Jean-Claude Van Damme tem demonstrado no top 10 da Netflix desde a estreia. De qualquer forma, pode ser um choque constatar que se trata muito mais de uma comédia de caricatura do que um filme de artes marciais e ação. Nos seus 60 anos e já flertando com a aposentadoria, o astro belga parece hoje bem mais confortável na autoparódia do que nos round kicks arrojados.

Um vislumbre disso pode ser sentido já no primeiro plano de Van Damme no filme: suspenso no teto com o espacate aberto, encoberto por uma sombra que basicamente o torna só uma silhueta de pessoa. O ator se torna, portanto, “o cara do espacate” e não faz muita diferença se divisamos ou não o rosto dele em cena, porque sua fama, sua persona e seus golpes característicos o precedem. De certa forma dá pra realizar hoje um filme de Van Damme sem Van Damme em cena e na prática é algo assim que O Último Mercenário tem a oferecer.

A trama sobre um matador expatriado, agente especial perito na furtividade, que volta à França para proteger um filho que ele não conhece é estrategicamente pensada para que Van Damme abuse dos disfarces; com os chapéus e as perucas fica mais fácil substitui-lo pelo dublê nas cenas de luta, que ademais (fica claro rapidamente na encenação) não são a especialidade do diretor David Charhon. Ao Van Damme “real” cabe o papel cômico de ser a figura anacrônica, material de riso nas cenas em que ele puxa algum ditado iluminado a título de lição de moral.

Em defesa de O Último Mercenário, vale dizer que a caricatura é estendida ao resto do elenco, do núcleo jovem do banlieue ao pessoal da burocracia do governo, e nesse caso o filme não difere muito do tipo de comédia popular na França que transforma suas questões de disparidade social em sátira. Assim, para aproveitar o máximo do que este filme bem pedestre tem a oferecer, é indicado conhecer o mínimo da composição étnica de lá e saber que as guerras lutadas nas colônias francesas são em boa medida responsáveis pelo arranjo que alojou imigrantes e minorias nos subúrbios, e criou o clima de animosidade e rancor que hoje define o país.

Já saber que Jean-Claude Van Damme ainda é conhecido pela dancinha no bar de O Grande Dragão Branco pode arrancar um sorriso do espectador que pegar esse fan service - e não muito mais que isso. Assistir a O Último Mercenário esperando uma elegia ao astro belga do chute giratório (ou pelo menos um filme de luta digno desse rótulo) pode ser receita de frustração.   

Nota do Crítico
Regular