Para Sofia Coppola, Encontros e Desencontros era o filme certo na hora certa. Havia um manifesto implícito na premissa meio autobiográfica, o espírito cool combinava com o rock indie que explodiu no início dos anos 2000 nos EUA, e a história de dois párias flanando sem destino, olhando irônica e sensivelmente para tudo que os cercava, estava na medida para a cineasta em início de carreira, que contra o peso do seu sobrenome almejava consolidar um olhar próprio.
Dezessete anos depois, a comparação é esperada: em On the Rocks, Coppola volta a trabalhar com Bill Murray, novamente numa trama de perambulação a dois; agora ele interpreta um marchand endinheirado que alimenta as suspeitas da sua filha Laura (Rashida Jones) de que o marido workaholic dela (vivido por Marlon Wayans) esteja cometendo adultério. A trama se move pela expectativa da revelação - pai e filha encarnam detetives particulares tentando flagrar a traição - enquanto a protagonista mantém sua rotina de mãe de duas filhas.
Uma rotina que, tirando as inconveniências de aguentar o papo de outras mães no entra-e-sai da escola, não parece drenar as energias de Laura como sua crise profissional e suas incertezas matrimoniais. É como se a carga de cuidar praticamente sozinha de duas crianças não fizesse muita diferença no saldo das coisas, o que já diz muito sobre como On the Rocks articula sua visão de mundo: mesmo as crises precisam ser elegantes, como um bloqueio de escritora diante da página em branco do Macbook. Quem não queria ter uma crise dessas? Já perder a linha com duas crianças hiperativas não seria fino nem invejável, pois filhos incontroláveis todo mundo tem.
On the Rocks se constrói conscientemente em torno de situações de privilégio; o próprio título faz referência aos muitos drinques que o marchand pede quando leva a filha para almoçar ou jantar nos melhores bares e restaurantes de Manhattan. Aulas de balé clássico, cafés com a família em jardins, aniversários de quatrocentões, coquetéis de startups - não há sequer congestionamentos na Nova York do filme, uma bolha de prosperidade onde mesmo os policiais têm a pura linhagem irlandesa e são motivo de orgulho para conhecidos e parentes.
É evidente que Sofia Coppola está tentando delimitar um recorte muito específico, ao eleger o 1% ianque como tema de seu filme, mas o problema de On the Rocks é que - imersa nesse mesmo mundo até os joelhos - a cineasta não consegue impor um olhar minimamente distanciado (e portanto curioso, investigativo) sobre o que vê. Vem daí, talvez, a impressão de que On the Rocks não tem muito a dizer, além das platitudes sobre monogamia e filiação. Os tempos da ironia ficaram para trás, e a melancolia da Sofia Coppola de 2003 ao menos tinha o charme blasé; em On the Rocks, em 2020, o que resta é a melancolia do consumo e do autocontentamento.
Que o filme tenha sido bancado pela Apple parece pairar sobre Coppola como uma nuvem carregada, quando seu filme lida com as questões do consumo. Cineasta já veterana, ela constrói a narrativa com a intenção percebida de depurar seu estilo, de criar uma crônica urbana desafetada como as comédias de Woody Allen, simples e diretas. Há inequivocamente uma segurança e uma sintonia verdadeira na forma como ela filma Bill Murray com graça, mas de resto On the Rocks parece mais um projeto de encomenda mesmo, no qual ela se invibiliza. O jeito como o filme dilui seus conflitos em doces privilégios de classe evoca uma Sofia Coppola que a diretora talvez renegue mas está ali cristalina na tela, a Coppola do título de nobreza.
No geral não há garantia de nada nesta vida, principalmente no amor, a não ser que você possa sempre recorrer à carteirada quando convém - daí os problemas se tornam até uns belos ornamentos, para dar sabor ao tédio.