É possível que nunca tenhamos tido um caso tão infeliz de jornada até telonas quanto o de Os Novos Mutantes. O último filme da franquia dos X-Men da Fox (antes do estúdio ser comprado pela Disney) passou por inúmeras refilmagens, teve sua estreia remarcada diversas vezes e enfim, quando parecia que havia chegado seu momento, o mundo foi acometido pela pandemia do novo coronavírus e seu lançamento, mais uma vez adiado.
Insistindo na estreia nos cinemas, no entanto, o filme de Josh Boone finalmente viu a luz do dia assim que as salas puderam reabrir, e por isso entra em cartaz no Brasil esta semana. A estratégia é duvidosa: talvez, se saísse no Disney+, o filme de Boone tivesse uma recepção morna e não de todo ruim. Na telona, porém, a sensação de expectativa fica mais evidente, e talvez por isso, as falhas também.
Depois de três anos de marketing - afinal, o primeiro trailer que recebemos de Os Novos Mutantes veio em outubro de 2017 -, parece até risível compartilhar a trama do longa com o leitor. Mas sigamos as convenções: Os Novos Mutantes conta a história de cinco adolescentes deslocados, internados em uma instituição que supostamente os ajuda a controlar seus poderes. Rapidamente, o grupo formado por Dani (Blu Hunt), Rahne (Maisie Williams), Illyana (Anya Taylor-Joy), Roberto (Henry Zaga) e Sam (Charlie Heaton) percebe que as intenções dos que controlam o hospital - leia-se a Dra. Reyes, interpretada por Alice Braga, única funcionária em cena - não são as que parecem.
Lamentavelmente, pouco se sustenta em Os Novos Mutantes. A residência gigante comandada bizarramente por uma pessoa só, ou a incompreensível permanência de superpoderosos entediados que lavam a louça, seguem as regras e não fazem nada para mudar seu destino são as inconsistências mais imediatas da trama, o que é uma pena, porque o filme sabe transparecer humanidade e autenticidade em seus momentos mais ternos. A relação entre Dani e Rahne é carismática, impulsionada pelas melhores atuações do longa, e o instantâneo companheirismo entre Sam e “Beto” (o filme ignora o “Bobby” das HQs e usa um apelido aportuguesado) também é simpático. Nesse contexto, quem perde é, de longe, Anya Taylor-Joy, cujo sotaque aflitivo para definir uma personagem inegavelmente racista faz sua Illyana ser duplamente irritante.
Mas o maior problema de Os Novos Mutantes é sua dificuldade em encontrar um tom ou um ritmo. O longa não é uma história de amadurecimento, e também não é um filme de terror. Ao mesmo tempo, não é leve: o momento em que diversos seres (parecidos demais com Slender Man) perseguem os personagens provavelmente segura a classificação para maiores de 14. Os Novos Mutantes não se encontra em nenhum gênero, muito também pela insistência de Boone em refutar a classificação de “filme de super-herói”. Em streaming, no conforto de casa, talvez essa sensação fosse mais discreta. No cinema, quando o auge de um filme quase intimista inclui um urso gigante em CGI, as discrepâncias são mais chamativas.
Não há como explicar a estratégia de lançar Os Novos Mutantes no cinema. É possível que sua audiência fosse muito maior na estreia em streaming, e por isso, quando o filme acaba, paira a dúvida sobre se um público em menor número não era exatamente o desejo do estúdio. Mas Os Novos Mutantes inevitavelmente ficará, no ano da Covid-19, como o marco do questionamento “será que vale a pena ir ao cinema para isso?”. A resposta é não.