Cena de Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan (Reprodução)

Filmes

Crítica

Falta ao novo Os Três Mosqueteiros o que a obra original tinha de sobra: estilo

Primeira parte dessa luxuosa adaptação se esforça para modernizar Alexandre Dumas

19.04.2023, às 09H21.

Todas as grandes cenas de ação de Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan - e elas estão em menor número do que se espera, vale dizer - são executadas em plano-sequência. Da emboscada na abertura do filme, que nos introduz a Milady (Eva Green), ao duelo florestal de D’Artagnan (François Civil) e seus colegas mosqueteiros contra os soldados do Cardeal Richelieu (Eric Ruf), o diretor Martin Bourboulon (Eiffel) escolhe sempre colocar o espectador dentro da ação, a câmera na mão seguindo os personagens ininterruptamente por quedas, pulos, empurrões, socos e golpes de espada.

A execução dessas sequências é extraordinariamente competente, claro. Este novo Os Três Mosqueteiros é uma produção luxuosa, que busca resgatar o valor épico e até patriótico da obra de Alexandre Dumas, um dos maiores clássicos da literatura popular francesa. Dublês bem coreografados e ensaiados, além de uma fotografia (de Nicolas Bolduc) de cores e movimentos equilibrados, fazem com que a experiência de assistir a esses planos-sequência não seja desagradável, como costuma ser quando a ação é inepta em um sentido técnico. Essa experiência só é mesmo - e é aí que chegamos ao problema no coração deste Os Três Mosqueteiros - um pouco entediante.

O filme feito por Bourboulon é uma tentativa ansiosa de incluir e envolver os espectadores contemporâneos na jornada antiquada do jovem e impulsivo D’Artagnan para se tornar parte da companhia de mosqueteiros do rei Luís XIII (Louis Garrel). Digo ansiosa porque, em sua afobação reverente, o filme recorre aos caminhos mais convencionais imagináveis para atingir o resultado desejado, e se furta totalmente de considerar o que fez a trama criada por Dumas manter o fascínio com o passar do tempo.

Tivesse pensado só um pouquinho no assunto, a equipe criativa por trás dessa bem-intencionada atualização teria entendido que qualquer versão de Os Três Mosqueteiros vive e morre por um único fator: estilo. O livro de Dumas virou a pedra fundamental da aventura de capa e espada porque é uma história contada com muito estilo, exibindo com orgulho a própria grandiloquência melodramática e moldando personagens deliciosamente subversivos para a sua época. Afinal, a chave do autor para conquistar um público que poderia ser resistente a ele (um homem negro na França do século XVII) era uma crença inabalável no poder do bom e velho entretenimento - com todas as suas reviravoltas ridículas, paixões avassaladoras e intrigas palacianas.

Propriamente fazer um Os Três Mosqueteiros para os dias atuais, portanto, exigiria muito mais audácia estética e narrativa do que Bourboulon e sua equipe estão dispostos (ou, vai saber, autorizados pelo estúdio) a demonstrar aqui. O roteiro de Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte (Qual é o Nome do Bebê?) limita-se a reproduzir textos e subtextos da história tradicional com pouquíssima sutileza e ainda menos vontade de brincar com a estrutura da trama. As mudanças são cosméticas e um pouquinho condescendentes, vide a bissexualidade de um personagem importante, mencionada como aceno para a contemporaneidade, mas que não tem nenhum impacto verdadeiro no filme.

Enfim, a verdade é que “vamos fazer tudo em plano sequência” simplesmente não se qualifica como uma ideia tão interessante em 2023 quanto as de Dumas eram em seu tempo, e este filme não apresenta nenhuma outra formulação artística substancial para fazer coro ou oposição a essa primeira. No fim das contas, Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan se mostra um filme competente em suas tarefas básicas, mas pouquíssimo inspirado ou inspirador - e que acaba em um falso clímax frustrante, deixando espaço para a continuação Milady, que sai ainda este ano. 

Dois por todos, todos por dois? Há de se admitir que não soa tão legal quanto o bordão original.

Nota do Crítico
Regular