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Paraíso tem boas ideias, mas as abandona cedo demais

Filme alemão revisita premissa de sci-fi distópico, mas não faz questão de torná-la sua

16.08.2023, às 13H05.
Atualizada em 16.08.2023, ÀS 13H22

É inegável o fascínio exercido pelas distopias e seus cenários de ficção científica, pelo menos desde o tempo em que a Revolução Industrial tornou-se uma preocupação em relação a como assimilamos a tecnologia. Hoje, dois séculos depois, a distopia parece fazer parte do nosso dia a dia, como as narrativas tipo Black Mirror fazem questão de nos lembrar. O filme alemão Paraíso também coloca a distopia a um clique de distância da vida real, mas lamentavelmente deixa uma pá de boas ideias pelo caminho.

No universo do longa, uma grande corporação, a Aeon, descobriu uma forma de fazer com que as pessoas possam doar seus anos de vida em troca de dinheiro; no processo, elas envelhecem, e seus receptadores rejuvenescem. Desde o começo é muito claro quem está em cada uma dessas pontas: milionários e bilionários pagam fortunas para estenderem suas vidas, enquanto os doadores são, geralmente, pessoas em situação vulnerável, que veem no dinheiro oferecido uma das poucas chances de ascensão social.

Não à toa, conhecemos o protagonista Max (Kostja Ullmann), funcionário da Aeon, justamente quando ele está tentando convencer um jovem de 18 anos a doar 15 anos de vida em troca de 700 mil euros – e, possivelmente, a única chance de tirar sua família de um campo de refugiados em Berlim. No entanto, Max logo vê sua vida virar de cabeça para baixo quando um incêndio destrói o apartamento em que ele vive com a mulher, Elena (Marlene Tanczik), e ela é forçada a dar quase 40 anos de sua vida para quitar a dívida de financiamento com o banco, o que efetivamente acaba com os planos do casal de ter filhos e envelhecer lado a lado.

Embora já soe derivativa de ficções científicas distópicas similares, como O Preço do Amanhã (2011), a premissa preserva sua pertinência e está próxima o suficiente de nós para gerar calafrios. Não é exatamente necessário divagar muito para imaginar um mundo em que anos de vida se tornaram uma commodity e no qual nem vencedores do Prêmio Nobel possam se aposentar; Sophie Theissen (Iris Berben), criadora da Aeon, inicia um programa para rejuvenescer cientistas justamente para que eles possam continuar trabalhando ad eternum (!). Paraíso, porém, não está muito interessado em explorar os pormenores desse universo assustador, e logo a história se acomoda em um thriller de ação pouco inspirado.

Em busca de corrigir a injustiça a que foram submetidos, Max e Elena (agora interpretada por Corinna Kirchhoff) se envolvem em perseguições, travessias perigosas e até com um grupo que se opõe à corporação, mas as sequências de ação que resultam disso tudo não são particularmente empolgantes. O fato de Paraíso oferecer ao espectador uma história meio manjada não impede que o diretor Boris Kunz - que assina o roteiro em parceria com Peter Kocyla e Simon Amberger - use diálogos expositivos indiscriminadamente para amarrar pontas soltas e consolidar reviravoltas frágeis. Embora elas já estivessem indicadas desde o início do filme, que nesse sentido não é particularmente sutil, não deixa de ser frustrante que o roteiro se dê por satisfeito em simplesmente explanar às pressas essas reviravoltas, sem realmente fundamentá-las ou se aprofundar em suas consequências.

Ao fim, quando a história se encaminha para sua conclusão, é difícil se importar com o destino de qualquer um desses personagens. Mas o mundo nos faz insensíveis e isso pode ser também o efeito da desumanização da distopia; aqui do lado de fora continuamos a esperar dias melhores - ou pelo menos filmes genéricos melhores.

Nota do Crítico
Regular