Dos filmes de amadurecimento juvenil do diretor Gregg Araki (Mistérios da Carne, Kaboom),Pássaro Branco na Nevasca (White Bird in a Blizzard, 2014) é um dos mais contidos. A presença da estrela ascendente Shailene Woodley (A Culpa é das Estrelas) em cenas de nudez pode sobressaltar os incautos - o filme tem classificação 14 anos no Brasil - mas sem dúvida é uma porta de entrada suave para a "experiência Araki".
Shailene vive Kat Connors, que aos 17 anos tem com sua mãe (Eva Green) uma relação típica: de um lado, a adolescente independente cheia de certezas, do outro, a bela mulher que envelhece cheia de arrependimentos. Uma projeta na outra suas frustrações e seus julgamentos, e quando a mãe desaparece um dia, repentinamente, Kat e o espectador são levados a interpretar o sumiço como a esperada alforria, um ciclo que se encerrou.
A ideia de migrar de uma realidade castradora (viver com os pais, frequentar sempre o mesmo shopping, sempre a mesma festa, onde "tudo congela no tempo", diz Kat) para uma oposta, que permite todo sonho de liberdade (transar com um policial e assim subjugar a autoridade e o "sistema" é o ápice do empoderamento no filme), é a fantasia que acompanha todo adolescente. Por irreal que seja essa oposição, é a partir dela que nós tomamos coragem para deixar a proteção do ninho. Depois, desencantar-se com essa fantasia é o que nos torna adultos.
Ainda assim, há um encanto que se preserva nos filmes de amadurecimento de Gregg Araki, como se seus personagens despertassem para a vida (na descoberta do sexo, da morte) sem abrir mão de uma certa ingenuidade. Essa ingenuidade - como um véu, demarcado na fotografia estilizada, de sonho, de Pássaro Branco na Nevasca - toma a forma do cinema de gêneros baratos nos filmes de Araki; tramas de abdução, de novelinha teen, de comédia de maconheiros, sempre a serviço de uma crença de cinefilia: existe uma verdade possível, perene, mesmo na cultura pop mais instantânea.
Em Pássaro Branco na Nevasca, o gênero escolhido é o do mistério, com toques de sobrenatural e procedimento policial, para revisitar a era do pânico da AIDS, com sua ameaça invisível cujo nome ninguém ousava dizer. Se a narrativa que virou norma para essa época, entre os anos 80 e o início dos 90, é aquela que associa o sexo à desesperança, ao niilismo, Araki subverte-a com o humor de sempre (a ameaça vira farsa doméstica) e trata de encaixar ali o discurso recorrente dos seus filmes: do sexo como autodescoberta e como iluminação.
"O futuro me aborrece", diz Kat, adolescente que parece viver mesmo o presente de maneira descompromissada. O que importa de fato, ela descobrirá, é desmistificar o passado. Pássaro Branco na Nevasca é um filme todo de sonho, de reminiscências - a sessão de terapia da protagonista parece deslocada no tempo, como se a narração toda partisse dali, e a trilha sonora também depende do ponto de vista de Kat e seu walkman - feito para redimir a "década perdida", porque sempre há uma pureza possível, mesmo depois do desencanto.
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