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Crítica

Live-action de Peter Pan e Wendy faz releitura tímida da animação clássica

Longa se baseia na versão de 1953 e altera elementos para as preocupações dos dias atuais

28.04.2023, às 15H02.

O diretor da versão live-action de Peter Pan e Wendy, David Lowery, descreveu o filme, em entrevista, como uma "adaptação das melhores partes" da animaçãode 1953, "com muitas intervenções e revigoramento". Essa frase retrata perfeitamente o novo longa vindo da máquina incessável de remakes da Disney. A mais recente produção traz, ainda que de maneira tímida, a fé, confiança e magia da obra anterior e alinha sua narrativa para os tempos atuais.

Na nova dinâmica, Wendy (Ever Anderson) se recusa ir para o colégio interno e prefere as aventuras imaginárias de Peter Pan e Capitão Gancho ao lado dos seus irmãos João (Joshua Pickering) e Miguel (Jacobi Jupe). A vida deles é interrompida uma noite quando a fantasia dos irmãos se torna realidade e o próprio Menino que Nunca Cresce (Alexander Molony), acompanhado de Tinker Bell (Yara Shahidi), aparece em carne, osso e pó mágico. Wendy e seus irmãos são levados então à Terra do Nunca, onde Capitão Gancho (Jude Law)e seus piratas são, assim como Peter Pan e os Meninos Perdidos, também versões vivas das fantasias imaginadas pelas crianças.

Peter Pan e Wendy reconta, portanto, a mesma história originária que marcou a animação de 1953; o visual, o cenário e até o humor inocente que caracterizava a época também são replicados na nova versão live-action. O problema é que o longa apenas emula esses elementos sem realmente absorvê-los por completo, e falta ao filme o charme de reinvenções que recontextualizam Peter Pan, como Hook - A Volta do Capitão Gancho, de Steve Spielberg, e o longa de 2003 estrelado por Jeremy Sumpter.

Isso é perceptível, por exemplo, na escolha da paleta de cores, marcada por tons mais escuros e terrosos. A animação de 1953, lançada durante a Era de Prata, período que ficou marcado por desenhos da Disney com tons mais suaves de cor, passava a ideia de algo mais leve e mágico após a conturbada Segunda Guerra Mundial. Enquanto esta poderia ser uma oportunidade de reforçar essa característica - ou abrilhantar em cores, como o pó de pirlimpimpim da fadinha -, Lowery opta por uma paleta ainda mais contida. Ou seja, a falta de contraste vista nos trailers permanece no filme, e Peter Pan e Wendy acaba sendo mais um lançamento nos streamings que exigirá da televisão do espectador seu brilho calibrado no máximo.

A nova versão traz atores poucos conhecidos para papéis principais e lhes dá a oportunidade de mostrar um talento promissor. Ever Anderson (Viúva-Negra) se sobressai em cena mais do que o seu colega Molony, mas não é capaz de sustentar o enredo inteiro. Quando João e Miguel são capturados por piratas, Wendy se junta aos Meninos Perdidos para encontrar Peter Pan e salvar seus irmãos, mas a dinâmica da jovem com o grupo é superficial, criando uma sensação de buraco que só é preenchido quando o grupo inteiro se une. Aliás, os dois irmãos mais novos ficam jogados na história, cumprindo apenas o recurso de resgate para o amadurecimento de Wendy.

Já a Tinker Bell de Shahidi é deixada de escanteio. Com pouco tempo de tela e frases curtas - já que ninguém entende a língua das fadas - fica difícil entender o propósito da personagem nesta nova adaptação. Esta questão faz parte do esforço de modernização da história: tirar da trama o interesse amoroso por Peter, que desencadeia o ciúme e a rivalidade entre a fadinha e Wendy, é até uma questão de empoderamento. Porém, ao não colocar nada no lugar, essa decisão da Disney tira da personagem uma motivação sem lhe entregar outra. Com isso, a fada se torna apenas uma ferramenta de roteiro.

Malony, por sua vez, faz um Peter comedido e sisudo sobre a escolha de ser uma eterna criança, mas entrega boas cenas ao lado de Gancho, de Law, que se sente muito à vontade para fazer o vilão cativante. Outro destaque vai para Alyssa Wapanatâhk, como Tigrinha, uma personagem mais madura e fundamental para o enredo que corrige a representatividade dos povos indígenas no novo longa - uma vez que a versão original, fruto de sua época, é problemática nesse sentido.

Esse é outro desafio para David Lowery e o roteirista Toby Halbrooks: trazer uma releitura atualizada do conto para o público. Assim como em live-action anteriores, a Disney consegue reformular suas histórias de maneira razoável, e até previsível, eliminando os tópicos controversos e adicionando tramas e subtramas mais elaboradas. Nesta história, por exemplo, é retirada a imagem de mãe/par romântico de Wendy para uma postura de irmã mais velha dos garotos e de Peter, uma posição mais adequada para sua jornada. Já Gancho também ganha um novo pretexto para justificar sua rivalidade contra o garoto mágico.

Peter Pan e Wendy atualiza a história original colocando a prioridade em questões culturais e de correção política, ao mesmo tempo em que luta para preservar, na fidelidade da trama, a nostalgia que pode haver em relação à memória da animação de 1953. Nesse sentido, este novo remake com atores da linha de produção da Disney parece um produto típico do seu tempo, e não apenas pelas cores desbotadas e sem contraste.

Nota do Crítico
Bom