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Poltergeist - O Fenômeno | Crítica

Remake perde a força do momento histórico mas preserva a energia do terror cômico

20.05.2015, às 19H49.
Atualizada em 30.10.2023, ÀS 14H19

Dois momentos históricos bem distintos separam o Poltergeist original, de 1982, e o remake de 2015. Colocá-los em perspectiva, um diante do outro, ajuda a entender como a nova versão perde pegada na dramaturgia, embora conserve a energia de descompromisso dos terrores cômicos na linha de Joe Dante e John Landis.

Em 1982, o primeiro filme ainda repercutia o desencanto com o sonho americano nos anos 1970. Os protagonistas - um bem-sucedido agente imobiliário e sua esposa - levavam num subúrbio planejado a vida perfeita da classe média, ele lendo um livro sobre o presidente conservador Ronald Reagan, enquanto o hino nacional toca na televisão. Quando o fenômeno do poltergeist e a revelação de um cemitério violado no local surgem, é como se o próprio american way desabasse com o sobrado da família Freeling.

Já a nova versão - que troca os nomes dos personagens mas preserva a premissa e as viradas - sai quase dez anos depois do começo da crise financeira global provocada pelo escândalo de empréstimos hipotecários nos EUA. O mercado imobiliário já é o "vilão" a priori, portanto - o que fica claro logo na primeira cena do remake, quando a família Bowen chega em seu novo bairro, vizinho a uma rede de distribuição elétrica, e a filha mais velha (como uma boa millennial socialmente consciente) já reclama que "pode sentir os tumores crescendo" no corpo.

É castigado pela crise que o casal protagonista - Sam Rockwell e Rosemarie DeWitt, ele no papel de um "colarinho azul" recém-desempregado e ela uma escritora frustrada - chega à nova casa, o sobrado barulhento e mal localizado que seu dinheiro pode pagar. Antes dos fantasmas aparecerem - nesses nossos tempos de papéis sociais reescritos (o marido insiste que a mulher se realize profissionalmente) - o que assombra a família é a perspectiva de encarar uma vida à moda antiga no subúrbio.

Do ponto de vista da dramaturgia, então, não há um "despertar" possível neste filme como havia em 1982. O novo Poltergeist é consideravelmente mais inofensivo, nesse sentido, do que o primeiro filme - que inclusive já fazia, no seu jogo de assustar e entreter com o fantástico, uma escolha bastante consciente pelo terror sem grandes hostilidades. No filme de 2015, o arco dramático que cabe é apenas a boa e velha superação que reunirá a família em crise - e é engraçado, para não dizer patético, ver Rockwell verificando as brocas da furadeira como se estivesse limpando suas armas de fogo, para se impor como o homem da casa.

O que torna o novo Poltergeist um passatempo bastante digno é que o roteirista David Lindsay-Abaire e o diretor Gil Kenan (que antes saiu-se bem no terror teen com A Casa Monstro) também sabem que filme podem fazer, e sua escolha consciente é pelo lúdico. É na base da brincadeira que eles atualizam o original (a menção irônica a cemitérios malditos durante o jantar), multiplicam o terror tecnológico (a televisão é só uma de muitas telas pela casa) e encaixam até a atual estética "caseira" em primeira pessoa dos filmes de found footage (no ponto de vista do drone).

E há o trabalho de câmera, que vale uma análise à parte.

Sobrados são, tradicionalmente, espaços de terror no cinema americano por sua partição: do porão ao sótão, cada cômodo independente serve para isolar personagens, e é da sensação de solidão que vem boa parte do medo. O que Gil Kenan faz em Poltergeist para desarmar o medo e transformar seu filme numa experiência lúdica é investir em planos-sequências que fazem o espectador passear pela casa, sem o pavor de se sentir perdido, espacialmente. O movimento da câmera em si, lento, à meia-altura e sem sobressaltos, parece nos colocar no banco de uma montanha-russa; embora personagens estejam sozinhos em algumas cenas, nós seguimos na "segurança" do passeio guiado.

O novo Poltergeist se oferece como o oposto de um filme como Invocação do Mal, por exemplo, em que a operação de minar a noção de espaço do espectador é o que provoca mais medo. Aqui, a lógica é a do espanto esperado: somos "colocados" de frente para a ação, antevemos quase sempre quando e de onde ele virá. É na sua combinação de efeitos visuais e de som (e também num uso competente do 3D, como na cena da broca) que Poltergeist potencializa esses momentos, e sem o componente do medo o que sobra é o prazer do susto, apenas.

Nota do Crítico
Bom