Embora a plasticidade e a preocupação com os espaços sejam duas marcas do cinema de Paul W.S. Anderson, o diretor não é exatamente reconhecido como um esteta. Talvez isso se dê por sua disposição para trabalhar com gêneros mais "vulgares" (para usar um termo recorrente entre teóricos do autorismo hoje em dia), das adaptações de videogame de Mortal Kombat e Resident Evil ao capa-e-espada de Os Três Mosqueteiros.
pompeia
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Em Pompeia (Pompeii, 2014), Anderson une dois dos gêneros populares que acompanham o cinema desde os primórdios: o filme-catástrofe e o épico de sandálias-e-espadas. O escravo celta Milo (Kit Harington) e a rica Flavia (Emily Browning) têm o típico amor proibido em meio à erupção do vulcão do Monte Vesúvio no ano 79, enquanto o pai da donzela, vivido por Jared Hess, tenta convencer um senador romano (Kiefer Sutherland) a investir na arena de gladiadores de Pompeia.
O fundo político é mínimo, assim como a química do casal principal. Ninguém espera de Anderson uma história de amor arrebatadora como a de Titanic - mesmo porque embora divida com James Cameron o apreço pelos espetáculos em 3D o diretor de Pompeia nunca foi um sentimentalista. Seus filmes têm a eficiência fria de uma trena, e ninguém calcula as distâncias da estereoscopia do 3D moderno como Anderson e seus técnicos. Pompeia funciona perfeitamente quando arremessa objetos para fora da tela (pedras de vulcão, armas de gladiador) e também na hora de criar um efeito de profundidade que envolva o espectador (o luxo do palácio é assinalado pela quantidade de camadas que a câmera 3D coloca em foco ao entrar nesse ambiente).
As preocupações de Anderson são de ordem funcional, e ele as depura a cada filme. Muito já se escreveu, por exemplo, sobre a predileção do diretor para encenar tramas em locais restritos, que permitem um controle maior do espaço e da ação. Nesse sentido, a ilha de Pompeia não é muito diferente dos corredores da Umbrella Corporation em Resident Evil, das pistas de Corrida Mortal ou da nave de O Enigma do Horizonte. Talvez Pompeia, aliás, seja o filme do diretor que mais contém planos aéreos com a intenção de delimitar (e reduzir) espaços.
Normalmente no cinema, planos gerais servem mais como transição, para situar o espectador no ambiente onde se passará a próxima cena. Em Pompeia é um pouco mais do que isso; eles servem para localizar a ação espacialmente - a distância entre a casa e o coliseu, entre o vulcão e a casa, entre o coliseu e o porto - e trazem nessa medição um peso dramático claro. É o ritmo da lava, é a destruição pouco a pouco da ilha. São planos pensados por sua utilidade, e não só porque a gramática do bom cinema os exige, e não dá pra dizer que Anderson os desperdiça.
Os clichês - e o eventual sentimentalismo - vêm do gênero. Não há um filme-catástrofe sem multidão pisoteada, por exemplo, como também não há um bom sandálias-e-espadas sem martírios. A sensação que fica ao ver Pompeia em 3D é similar à experiência dos grandes épicos do passado, como Ben-Hur: testemunhar um evento que é grandioso por sua própria natureza, e não como resultado de um esforço manual de grandiosidade. É um filme como as estátuas de pedra dos créditos iniciais, deixadas pela erupção: o drama existe, nós o percebemos, porque está contido dentro delas.
Nos anos 1950 e 1960, na crítica cinematográfica vinda da França, a teoria dos autores se estabeleceu para dar reconhecimento a diretores que trabalhavam em Hollywood sob encomenda e não tinham em seus filmes, em tese, uma assinatura reconhecível que os tornasse "artistas". Nesse sentido, Paul W.S. Anderson faz justiça a quem vê nele um "autor" hoje, porque seus filmes claramente atestam uma obsessão. Não importa que essa obsessão seja a mais prosaica: respeitar os espaços que o cinema de gênero oferece.