Há 30 anos, Mighty Morphin Power Rangers era uma febre na TV brasileira. Dá até uma sensação gostosa de nostalgia de lembrar daqueles bons tempos que não voltam mais, não é mesmo? Pois eles voltaram: nesta quarta (19) a Netflix lançou em parceria com a Hasbro o especial Power Rangers: Agora e Sempre, com a reunião da formação clássica da equipe para celebrar as três décadas da franquia.
Ou quase.
Os heróis da nossa infância, quase cinquentões, estão de volta à ação depois que Billy (David Yost), o Ranger Azul, acidentalmente libertou o mal de Rita Repulsa, que reencarnou em um corpo robótico. Tudo aconteceu enquanto ele tentava resgatar Zordon, desaparecido desde Power Rangers no Espaço. Agora a vilã está em busca de construir a arma definitiva com os poderes dos próprios defensores da Terra.
Ao revisitar o clássico, o especial compreende o seu legado e não cai na armadilha de tentar reinventar a roda ou buscar uma profundidade sombria. A estética, os cenários, os uniformes, o roteiro e os diálogos são dignos dos anos 1990. Não há receio em ser cafona, afinal o sentimento faz parte da nostalgia.
A evolução, quando acontece, é pontual. Não há mais a escalação de atores jovens adultos para interpretar estudantes do Ensino Médio, por exemplo, e os riscos enfrentados pelos protagonistas são mais elevados. O retorno de Rita Repulsa, a primeira vilã da franquia, traz um perigo que é literalmente de vida e morte. Já as cenas com robôs e monstros gigantes não são mais feitas por pessoas fantasiadas em meio a miniaturas: são produzidas em computação gráfica.
A isso se junta um roteiro que fez bem a lição de casa, entendendo as pontas soltas deixadas em cada personagem e pelos elementos da história, sem serem necessários retcons.
A crítica poderia acabar aqui. Cinco ovos. Perfeito. Infelizmente, não.
Um ponto importante para uma boa obra audiovisual, seja do tamanho que for, é entender que ela não existe isolada do mundo. A realidade interage com os elementos em cena, de diversas formas, e cabe a roteiristas, atores, atrizes, produtores e diretores canalizar essa energia para o produto final.
Power Rangers: Agora e Sempre entende isso quando homenageia Thuy Trang, que interpretou a Trini - a Ranger Amarela original. A atriz morreu tragicamente em um acidente de carro em 2001, quando tinha apenas 27 anos.
O especial, em seus primeiros minutos - e não é spoiler, afinal está no trailer - traz a morte de Trini em combate. A partir daí, é construído um enredo sobre legado, no qual somos apresentados à filha dela, Minh (Charlie Kersh). É realmente emocionante para quem é fã.
Essa, no entanto, não é a única ausência.
Amy Jo Johnson, a Ranger Rosa original, não aceitou a oferta de participar da produção. Já Austin St. John, o Ranger Vermelho, não teria sido convidado para o projeto devido a graves acusações que enfrenta, de fraude contra o governo dos Estados Unidos.
Jason David Frank, o Ranger Verde, foi chamado. No entanto, de acordo com seu amigo Aaron Schoenke, houve uma disputa de poder com a Hasbro, que atualmente é dona dos personagens. Frank acreditava que o roteiro do projeto era muito semelhante ao de outro filme que ele havia feito (e que ainda permanece inédito), Legend of the White Dragon, do qual Schoenke é o diretor. Isso, juntamente com questões financeiras, impediu um acordo entre as partes.
Em vez de simplesmente seguir em frente com essas ausências, o especial traz Kimberly, Jason e Tommy de volta. Sem os seus intérpretes, os heróis nunca ficam sem máscara e são utilizadas reações vocais pinçadas de antigos episódios, junto com algumas frases soltas. A história os tira de cena em poucos minutos, com os dois primeiros trocados por seus substitutos em Mighty Morphin: Rocky (Steve Cardenas) e Kat (Catherine Sutherland).
Era mais fácil dizer que eles eram os Rangers ativos desde o começo, com os anteriores citados de forma saudosa para justificar as ausências.
A escolha criativa ganha mais uma camada de surrealidade porque Jason David Frank morreu pouco depois das filmagens terem sido completadas, em novembro do ano passado. Entre tantas homenagens e falas sobre legado, é decepcionante ver o Ranger Verde sem uma despedida adequada - mesmo que haja uma dedicatória a ele pouco antes dos créditos finais.
Desde os tempos em que era produzida pela Saban, Power Rangers tem um histórico ruim de direitos trabalhistas e de desrespeito aos seus profissionais. Passados 30 anos, isso não mudou - o que deixa uma sensação de hipocrisia na homenagem à Thuy Trang.
No final das contas, vemos que os atores pouco importam - e a morte da Trini é apenas um elemento para ganhar alguns trocados com o sentimento alheio.
Uma pena.