Diz a sabedoria crítica que não há nada de errado com clichês - afinal, eles se tornaram clichês porque funcionam. E, em grande parte, é verdade. O problema não é exatamente a recorrência de dispositivos de trama, caracterizações ou situações narrativas específicas, mas sim essas coisas todas aparecerem até quando vão contra a direção mais natural da história. Quando a ânsia por dar ao público o que ele espera, o que o evangelho corporativo postula (de forma equivocada, na maior parte do tempo) que o público quer, é maior do que a dedicação do roteirista às demandas da história que ele está contando, bom… aí você está em apuros.
Em Sete Minutos Depois da Meia-Noite, Patrick Ness famosamente postula que “histórias são como criaturas selvagens - uma vez que você as liberta, não sabe o estrago que elas podem causar”. Como tantos outros produtos hollywoodianos, Resgate 2 erra de forma grosseira ao tentar pegar essa criatura selvagem, este leão faminto, e transformá-la em um gato doméstico curvado às vontades míopes do estúdio, dos produtores, de todas as partes interessadas em construir uma franquia a partir da ideia estreita, que se tem desde sempre (e que, por isso, está ultrapassada), do que, exatamente, é uma franquia.
Mais especificamente, Resgate 2 insiste em ser a história de um herói machão solitário, mesmo quando cada curva de sua narrativa parece gritar por um épico de ação mais dedicado ao elenco do que ao protagonista. Esse conflito de interesses transforma a sequência da Netflix em um filme intermitentemente frustrante, que acerta em cheio ao abrir espaço para coadjuvantes como Nik (Golshifteh Farahani, tranquilamente a melhor parte do longa) e ao desenvolver as inclinações messiânicas do vilão Zurab (Tornike Gogrichiani), mas permite que a bravata incompreensível do seu Tyler Rake (Chris Hemsworth) bloqueie cada um deles de ter uma resolução apropriada para suas histórias.
Após sobreviver heroicamente à queda da ponte no final do primeiro Resgate - graças aos esforços de Nik, diga-se de passagem -, Tyler é forçado a uma aposentadoria indesejada… que, é claro, dura muito pouco. Isso porque Alcott (Idris Elba) chega oferecendo um novo trabalho irrecusável: resgatar Ketevan (Tinatin Dalakishvili) e seus dois filhos de uma prisão na Geórgia, onde são mantidos em cativeiro pelo irmão de Zurab. Logo descobrimos que Ketevan é irmã da ex-esposa de Tyler, Mia (Olga Kurylenko), então o herói trata de se livrar dos últimos vestígios físicos de sua experiência de quase-morte (através de uma montagem de treinamento curiosamente curta e genérica) para voltar à ação.
Crédito onde ele é devido: essa sequência de Resgate suplanta o original como entretenimento, pelo simples motivo de permitir que a violência exacerbada de sua ação se destaque da realidade, ao invés de ficar grudada nela como um lembrete horroroso - e completamente não suportado pelas qualidades dramáticas do filme - das vidas que estão sendo perdidas em meio à feiura cínica de impérios do crime erguidos na base da desigualdade social. Não, Resgate 2 é um Espetáculo (assim mesmo, com letra maiúscula), e suas tentativas de profundidade emocional desaparecem no exato momento em que o primeiro tiro de cada cena de ação é dado.
Daí que ganhamos pérolas como Ketavan distribuindo pancadas com uma pá cheia de neve nos criminosos que Tyler despacha enquanto eles atravessam a prisão; Nik se atirando de um lado para o outro de uma cabine minúscula de trem enquanto tenta se livrar de três inimigos armados, inclusive depois que um deles lhe dá uma facada no ombro; Tyler salvando a amiga de uma queda fatal de um arranha-céu em Dubai e atirando-a, recém-acordada, na direção da janela da academia localizada no andar de baixo; e por aí vai. Em sua infindável obsessão por salinhas abafadas e sujas, ou por florestas úmidas e inespecíficas, o primeiro Resgate jamais seria capaz de oferecer nenhum desses prazeres puramente cinéticos.
Mas daí… as grandes e brutais setpieces de ação acabam, o ritmo diminui, personagens são sacrificados (com bastante impacto emocional, até!), e Tyler parte para a próxima etapa da missão sozinho, sob os protestos dos aliados - não há clichê maior do cinema de ação no estilo exército-de-um-homem-só, mas Resgate falha em reconhecer que, para este homem em específico, envolvido nesta missão em específico, a decisão de colocar toda a responsabilidade sob os próprios ombros não faz sentido nenhum. Não é mais uma missão só dele, e não só ele tem motivos para querer finalizá-la, então por que fazer isso? Bom, porque é o que os heróis de ação fazem.
O clichê importa menos do que a sua aplicação forçosa em lugares onde ele não cabe. Não interessa se um milhão de outras histórias aconteceram assim… será que a sua também deveria? O risco de não fazer essa pergunta é acabar com um público inteiramente insatisfeito, e matar sua franquia logo quando ela estava prestes a começar.