Os alemães estão preocupados com o futuro. A sala de aula se torna ao mesmo tempo laboratório e microcosmo das tensões étnicas que marcam o movimento migratório no país, e documentários como Sr. Bachmann e seus Alunos (2021) fazem uma análise muito precisa, e ao mesmo tempo emocional, das perspectivas e dos desafios que essas tensões legam às próximas gerações e a toda a nossa noção de tradição, civilidade e progressismo.
Botar crianças no mundo parece especialmente difícil neste quarto de século XXI, então não falta espaço para reflexão e pontos de vista diferentes. Representante alemão no Oscar 2024, A Sala dos Professores tenta esboçar o problema como um suspense de premissa moralmente carregada, parecida com aquela de A Caça, longa dinamarquês também validado por uma indicação ao Oscar.
Na trama, acompanhamos Carla (Leonie Benesch), professora recém-chegada a uma escola onde pequenos furtos se tornam um dilema, uma vez que a política de tolerância zero do colégio leva a uma investigação interna que desestabiliza crianças e o corpo docente. Carla tenta resolver as coisas por conta própria e grava um flagrante, que ao invés de resolver o problema acaba colocando pais, alunos e professores contra ela.
A falta de nuances com que a situação se estabelece de início, com relações de causa e efeito imediatas que rapidamente tipificam crianças e adultos entre vítimas e algozes, não oferece o melhor dos auspícios. Como em A Caça, o conto moral pode descambar para as facilidades do moralismo à medida em que toda a complexidade da situação converge para a questão única do assassinato de reputação. Se uma eventual comparação com Sr. Bachmann já colocava de largada A Sala dos Professores em difícil desvantagem, a aproximação com A Caça piora o prospecto.
Se o diretor Ilker Çatak não consegue escapar dessa sinuca por completo, ele pelo menos recorre a espertos ângulos para envolver o espectador nessa perspectiva estreita que o filme está propondo. A principal solução é tratar a problemática pedagógica e moral como uma situação francamente em colapso: botar e criar crianças no mundo hoje em dia é realmente uma enorme temeridade e só resta aos adultos desavisados reconhecer sua derrota nessa empreitada. Pobres dos professores que, por vocação, a escolhem como sustento.
Claro que há uma misantropia implícita nisso tudo, mas A Sala dos Professores não a trata como se fosse uma revelação ou uma grande sacada, como fazem os europeus cuja misantropia é celebrada no circuito de premiações e festivais, de Ruben Östlund a Yorgos Lanthimos. O que Çatak faz é mais modesto e metódico: pegar essa situação complexa, formulada como suspense policial, e aos poucos adereçá-la com códigos mais próximos do thriller psicológico e do terror de paranoia, dois subgêneros em que a misantropia se legitima como válvula de escape.
Aos poucos, então, a professora Carla se converte em oferenda numa fogueira típica do cinema de horror, mas que queima sem sentir, uma vez que o filme nunca se recusa a alimentar a personagem com um falso sentimento de agência diante dos obstáculos que ela enfrenta. Esse filme de terror mascarado como crítica social foda traz consigo elementos óbvios do gênero - a cacofonia e os sobressaltos na trilha sonora, a confusão mental de se sentir vigiada quando a câmera busca para onde olhar, a licença fantástica da cena em que todos aparecem com a mesma blusa no corredor - mas eles funcionam em sintonia. Nesse sentido, A Sala dos Professores se aproxima da escola polanskiana de suspense, em que o realismo se fixa mesmo quando permite se escorar no fantástico.
A claustrofobia e a desordem de sentidos se completa com um recurso que é, ao mesmo tempo, muito simples e muito assombroso: tratar os alunos como o elemento central do imponderável, como se fossem crianças não num tratado alemão sobre pactos civilizacionais e sim aquelas crianças de pesadelo, vivas ou mortas, que aparecem e desaparecem, correm e berram nos filmes de terror. Cenas como a aula de educação física em que os adolescentes saem para fumar se convertem em momentos plenos de potencial de horror, uma vez que Carla já se apresenta a nós como alvo dos caprichos de uma maldição.
Quando aproveita essas oportunidades de jogar com o imprevisível para aplicar reviravoltas sobre a protagonista e o espectador, A Sala dos Professores está no seu melhor. O desfecho apaziguador e aberto de colocar os dois personagens principais cara a cara em dois planos frontais de close-up (e assim dizer que a questão pedagógica não pode ser resolvida de forma algorítmica como um cubo mágico) é só uma concessão ao bom tom. Bem melhor é a cena seguinte, com o menino carregado em câmera lenta como se fosse, mesmo, um terrível espectro no ar.
Pensando agora, não é por acaso que tantos filmes e games de terror têm cenas com escolas assombradas, com suas salas de aula vazias, cadeiras viradas, quadros negros empoeirados.