O nome de Emerald Fennell já é capaz de despertar paixões. Em 2021, a britânica venceu um Oscar pelo roteiro de Bela Vingança, filme que explorou sexualidade e obsessão com toques de gore e um humor cáustico – elementos que ajudaram a classificar o seu trabalho como perspicaz e astucioso. Isso já torna mais aguardado o seu novo filme, Saltburn, que pode facilmente funcionar como uma espécie de sucessor natural de Doce Vingança; não só pela temática, mas também por se achar mais ousado e inteligente do que realmente é.
No longa, acompanhamos o florescer da amizade entre dois calouros da Universidade de Oxford em 2006, Oliver Quick (Barry Keoghan) e Felix Catton (Jacob Elordi). Aos moldes de obras como Retorno a Brideshead e O Talentoso Mr. Ripley, Oliver desenvolve um interesse inicial por Felix e torna-se obcecado, mas consegue conquistar rapidamente a afeição do colega. O laço se estreita, até o dia em que Oliver descobre que o seu pai, um traficante de drogas, foi encontrado morto. Chocado com a notícia, Felix decide levar o amigo para passar as férias de verão em sua mansão de veraneio localizada na região de Saltburn – onde a trama, que ganha tons de thriller de maníaco, de fato se consuma.
A título de comentário social, na esteira dos filmes que abraçam a schadenfreude do capitalismo tardio e tratam de forma irônica a realidade dos podres de rico, Saltburn se desenrola como sátira. No ápice, Oliver se revela uma espécie de observador crítico, oferecendo perspectivas fascinantes sobre a resistência a esse mundo de luxo, e as interações entre os membros da família de Felix e o rapaz são, por vezes, hilárias e fascinantemente grotescas. Além disso, é impossível ignorar a química impressionante presente entre o elenco, todos em atuações sensacionais. Destaque especial para Rosamund Pike, que merece mais oportunidades para exibir seu talento natural para a comédia, veia já testada quando ela foi tipificada como a mulher fatal autoconsciente de Garota Exemplar (a fala de sua Elspeth Catton, "Insinuaram que a música 'Common People', do Pulp, era sobre mim. 'Ela vinha da Grécia e tinha sede de conhecimento?' Eu nunca quis saber de nada", é facilmente uma das melhores e mais hilárias do ano).
Mesmo com toda a diversão creditada à canalhice, aos diálogos impagáveis e às cenas com doses de sexo muito perverso, Saltburn se perde a partir do momento em que a primeira de muitas reviravoltas é revelada. O filme se propõe a levantar muitas questões sobre a verdadeira história de Oliver, assim como suas motivações e ações; para respondê-las, ao invés de perspicácia, o roteiro saca previsibilidade: uma sucessão de flashbacks apressados e desnecessários que guiam o espectador, explicando os planos do personagem. Na verdade, o que inicialmente parecia um personagem complexo revela-se um sociopata sem brilho de persuasão. É uma pena, pois Keoghan, que mal esfriou após ter sido indicado ao Oscar (por Os Banshees de Inisherin) já merece ser lembrado de novo por Saltburn, mesmo que o roteiro não ofereça tanta substância ao seu personagem. Essa ânsia por oferecer respostas e jogar reviravoltas chocantes enfraquece personagens e também as relações, especialmente a de Oliver e Felix, que deveria ser a força-motriz do longa.
Para alguém que se aventura a criar diálogos e situações tão ousadas, Fennell, de repente, freia e recorre a soluções simplistas para resolver os conflitos de Saltburn. Os dois primeiros atos podem até ser genuinamente hilários, mantendo o espectador envolvido de forma cativante, mas a tentação do choque e das acrobacias de roteiro penaliza (mais uma vez?) o trabalho da roteirista e diretora.
Nota do Crítico
Regular