Há muitos subgêneros em cena em Sem Escalas (Non-Stop), mas antes de ser um filme de "Liam Neeson, herói de ação" ou um "suspense de avião" o novo longa dirigido pelo espanhol Jaume Collet-Serra é um whodunit dos mais despudorados, na melhor tradição dos mistérios de Agatha Christie.
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Como em todo whodunit, a trama de Sem Escalas tem no seu centro um mistério criminal cercado de muitos "arenques vermelhos" - termo que escritores usam para representar as pistas falsas jogadas ao espectador ao longo de uma narrativa, antes da revelação final do culpado. Aqui, Neeson vive um agente federal que praticamente elege como suspeitos cada um dos passageiros de um voo transatlântico, até descobrir quem ali dentro do avião está ameaçando a segurança de todos.
Daquelas velhas histórias de detetive, Sem Escalas troca as mansões isoladas, com jantares e mordomos, pelo espaço restrito de uma cabine executiva e econômica com duas comissárias de bordo. Saem excêntricos ingleses, bêbados e ricaças e entram os tipos ecléticos de todo voo comercial internacional, do neurótico nova-iorquino ao jovem insolente, do árabe à loira fogosa. Não falta nem a zarabatana de dardos envenenados, esse clichê absolutamente irresistível dos whodunits.
Há algumas coisas fora de contexto, como ver o agente federal, figura de autoridade, comportar-se diante dos passageiros como se o voo fosse mesmo um jantar de amigos, na cena bem ridícula em que ele conta em voz alta seus traumas do passado. No geral, porém, Collet-Serra sabe aproveitar e se adequar às expectativas geradas por cada um dos subgêneros em jogo, sem superestimá-los.
Seria muito fácil, então, tratar Sem Escalas como o bem-vindo guilty pleasure da semana, mas o caso é que o trabalho do cineasta espanhol aqui está longe de envergonhar. Ele faz um suspense que não subestima o espectador - um diretor inseguro encheria a tela de flashbacks para relembrar cada relance da sala de embarque, por exemplo - e é um prazer ver o personagem de Liam Neeson se redimir, sem que o filme transforme isso num martírio ou num revanchismo. (Só o fato dele mostrar que não estava tão anestesiado assim no começo do filme já é uma vitória da sutileza.)
Aliás, há um plano, um dos melhores do filme, que resume bem a personalidade do personagem: quando Neeson entra no banheiro, tira o maço de cigarros de cima do distintivo e descobrimos que ele é um agente. Há uma sofisticação nesse plano que é invulgar; num único e descomplicado movimento, que associa o cigarro ao distintivo, descobrimos o que é preciso saber sobre ele: é uma figura da lei e tem um vício.
Tudo o que vem depois nada mais é do que a solução desse impasse, um homem da lei atrás de sua virtude perdida. Num filme repleto de arenques vermelhos, algumas imagens-síntese, como essa do cigarro, carregam toda a verdade que poderíamos exigir.
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