O clímax de Sem Saída, filme lançado no Brasil pelo Star+, guarda algumas imagens genuinamente impressionantes, construídas em cima de referências ao passado do suspense e do terror: uma silhueta ameaçadora, recortada contra a luz de um incêndio, vista pelo retrovisor de um carro; a câmera que se aproxima aos poucos, posicionada próxima ao chão, fascinada pela visão de um ato de violência inconcebível. O diretor Damien Power sabe que não está reinventando a roda aqui, mas sabe também que o poder dessas imagens não tem data de validade e não se desgasta com a repetição - há um motivo pelo qual elas se tornaram clichês, afinal.
Sem Saída, como um todo, se beneficia muito dessa consciência e das decisões que ela o empurra a tomar. Por exemplo: o filme sabe que não tem substância o bastante para ser um épico de terror, então mantém a sua duração abaixo de 1h30 (descontando os créditos); e sabe também em que momentos a sua trama ameaça descarrilar na direção do absurdo, brincando com o tom e com a escalação do elenco para impedir que o espectador se volte contra ele. Enfim, é difícil culpar Sem Saída por suas imperfeições quando ele é tão honesto sobre elas, e sobre sua vontade de entreter apesar delas.
Na trama, Darby (Havana Rose Liu) está passando por sua enésima temporada em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos quando recebe uma ligação avisando que sua mãe sofreu um derrame e está hospitalizada. Ela foge da instituição durante a noite para visitá-la, mas é impedida de chegar ao destino por uma tempestade de neve. Conduzida por um policial a um ponto de descanso na beira da estrada, ela é obrigada a passar a noite com quatro estranhos, mas as coisas se complicam quando ela descobre que um deles tem uma criança amarrada em sua van.
O roteiro da dupla Andrew Barrer e Gabriel Ferrari (Homem-Formiga e a Vespa), adaptado do livro de Taylor Adams, confia integralmente em suas duas grandes reviravoltas para complicar esse cenário e escalar a tensão do filme. A aposta funciona menos pela engenhosidade das tais reviravoltas - uma delas é completamente previsível, inclusive -, e mais pela forma como o script passa o restante do seu tempo desenhando a dinâmica entre os personagens e suas motivações particulares. O brilhantismo da jornada importa pouco, nos lembra o filme, quando estamos nela ao lado de pessoas críveis o bastante.
Daí também a importância do elenco, e especialmente do desempenho da protagonista Havana Rose Liu. Dona de papéis pequenos na série The Chair e no filme O Céu Está em Todo Lugar, a atriz é uma revelação ao concentrar os holofotes de Sem Saída, articulando em sua Darby a ansiedade própria do viciado em recuperação, a fragilidade própria do filho em luto (ainda que antecipado) por um dos pais, e a obstinação própria de qualquer indivíduo com algo a provar a si mesmo e ao mundo. A garra de Darby, a sua vontade indomitável de corrigir a injustiça com a qual se depara, é inteiramente justificada na performance de Liu.
Ao redor dela estão atores que sabem extrapolar os traços de caracterização providos pelo texto em personagens autênticos. Os veteranos Dennis Haysbert (24 Horas) e Dale Dickey (A Qualquer Custo) são particularmente versados neste passeio entre a caricatura e o naturalismo, criando uma dinâmica de casal sólida que explode em mil pedacinhos, com efeitos devastadores, conforme o filme dá suas últimas cartadas de trama. Se há um tema abrangente em Sem Saída, é como estabelecemos ou perdemos relações de confiança e lealdade dentro de nossas famílias, e o que essas lealdades nos levam a fazer.
Esse subtexto é costurado sem muita delicadeza ao material mais bruto de suspense do longa, é verdade. Sem Saída não é um pós-horror preocupado com suas entrelinhas e ambições acadêmicas, mas é um thriller agressivamente eficiente, que não finge ser mais do que isso. Para o fã do gênero, não é preciso mesmo.