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Sexo sem Compromisso | Crítica

O sexo e a cidade, ou A ficção que massacra o espírito

17.03.2011, às 18H10.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H17

De personagem atormentada Natalie Portman entende, mas poucas vezes passou por uma terraplanagem existencial tão contundente quanto em Sexo sem Compromisso (No Strings Attached). De uns anos pra cá virou moda a expressão "choque de realidade" para falar de filmes naturalistas, e agora o diretor Ivan Reitman inventa e aplica na atriz um "choque de ficção".

sexo sem compromisso

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Idealizar o amor é a regra número um das comédias românticas, mas Sexo sem Compromisso leva esse princípio à patologia. Não é uma idealização bonitinha como a de Amélie Poulain, e sim um processo gradual e corrosivo, esse que Reitman e Ashton Kutcher executam para comer pelas beiradas o ser vital de Emma, a personagem de Portman.

Emma é uma médica solteira em Los Angeles com uma rotina de "gente normal". Mora com amigos de trabalho, também solteiros, e observa de longe o noivado da sua caçula. Já Adam (Kutcher), que faz o tipo "autêntico" (carro velho, casa de design, paletó xadrez), tem desde adolescente problemas não resolvidos com o pai (Kevin Kline), um ator famoso, e parece insatisfeito no trabalho como assistente de produção de uma telessérie musical tipo Glee.

Apesar das diferenças, os caminhos dos dois se cruzam frequentemente. Emma diz ser problemática demais para ter algo sério com Adam, mas não demoramos a entender o contrário: ele é o verdadeiro autista afetivo. Depois de uma manhã de sexo, em que ela pede para manterem tudo em segredo, Adam procura Emma no trabalho com um balão de presente. Seria o caso de chamar a polícia? Talvez, mas como estamos em uma comédia romântica é a fobia de Emma a relacionamentos que o roteiro trata como "doença", e não a potencial psicopatia do stalker.

Em outras palavras, não é ele que está errado por ser chato, mas ela, por fazer a difícil. Fica definido, então, o ponto de partida. O "convencimento" de Emma - que passa pela premissa do filme, a utopia das transas sem vínculos emocionais - começa aí, e se consuma com o tal choque de ficção.

É difícil saber se Reitman tem consciência desse choque, mas não soa por acaso o fato de os roteiristas Elizabeth Meriwether e Michael Samonek terem feito de Emma uma médica e de Adam, um ficcionista. Estão ambos em Los Angeles, a cidade que deve ter mais atores-médicos na TV do que médicos de verdade. Adam lida todo dia com histórias coloridas de amor no set, mas, fora dos estúdios de gravação, L.A. continua sendo o lugar onde as pessoas se reafirmam pelos rótulos, como personagens (o gay que diz "sim, sou definitivamente gay" ou a mãe de Emma que faz questão de explicar por que o apelido de seu namorado é "Bones").

Nesse cenário, onde frequentemente se emula a "vida real" (convenhamos que mini-golfe não é golfe de fato), Emma chega até nós como a única pessoa "de verdade" cercada por tipos. Nas cenas em que Natalie Portman parece mais atordoada pelo choque, ela chega a lembrar a Laura Dern dos filmes angelinos de David Lynch. Depois de uma extenuante sessão de Sexo sem Compromisso, rever Império dos Sonhos se torna questão de ordem.

Reitman, obviamente, não tem essa pretensão de "autor". Engolida pela ficção (repare que Kutcher só "vence" quando se torna um contador de histórias autorizado), a única viagem alucinógena a que Emma se submete, bebidas à parte, é se intoxicar de doces e, com a boca suja de açúcar, aceitar seu vaticínio.

Exagero? Bem, talvez para o crítico seja simplesmente muito doloroso ver Natalie Portman ser feliz com Ashton Kutcher.

Sexo sem Compromisso | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Regular