Despida dos vernizes do primeiro Sicario - todos os maneirismos que o diretor Denis Villeneuve carrega consigo de filme a filme - a continuação Sicario - Dia do Soldado respira novos ares. Villeneuve terceiriza a direção para o italiano Stefano Sollima e o resultado é um filme que, por sua própria condição de produto franqueado, não tem as mesmas pretensões de obra de arte e pode se entregar a convenções de gênero sem culpa.
Que convenções são essas? Essencialmente, contextos, situações e perfis do faroeste, atualizados para a guerra ao narcotráfico e ao terrorismo internacional. No novo filme, os personagens de Josh Brolin e Benicio Del Toro se aliam para criar uma guerra artificial entre cartéis de droga, que estariam ajudando jihadistas a entrar nos EUA pelo lado mexicano. Sicario 2 aproveita personagens e tons do primeiro filme para não descaracterizá-lo - a visão de mundo no geral permanece bem niilista e machista - mas joga com regras de vários subgêneros (o western de abdução, o de fronteira, o de travessia) para oferecer ao espectador uma experiência descomplicada e menos pedante de expectativas e recompensas.
Nesse sentido, é central o trabalho do roteirista Taylor Sheridan, já um especialista em conceber momentos de ação pautados pela crueza e esvaziados de sentimentalismos. O cenário ideal de Sheridan é o do vácuo moral do Velho Oeste americano, que ele revisitou bem em filmes como A Qualquer Custo. Não por acaso, Sicario 2 adquire a forma de um intenso faroeste de comboio no seu longo clímax, da emboscada na estrada até a jornada de travessia de Alejandro (Del Toro) - cujo perfil aqui se aproxima mais do velho pistoleiro solitário dos westerns, que carrega sozinho o peso da civilização e paga o preço sacrifical por isso no fim.
A estrutura de filme-mosaico, que poderia até gerar um parentesco de Sicario 2 com obras como Traffic, serve menos para criar um painel geopolítico supostamente complexo do que para oferecer situações funcionais de suspense. Que a própria premissa relacionando coiotes e jihadistas seja abandonada ao longo do filme é a grande demonstração de que Sicario 2 tem intenções bem mais modestas do que fazer um grande relato denuncista. O filme se contenta com a narrativa como um fim em si mesma, e aí reside sua força: o poder de fogo americano, a tragédia dos mexicanos, o casuísmo dos mercenários, a frieza dos políticos - tudo isso age dentro de Sicario 2 em função da ação e do suspense.
Essa eficiência crua, direta, acaba reforçando a brutalidade que é intrínseca a essa história que Sheridan e Sollima estão contando, com apoio da trilha de Hildur Guðnadóttir - que trabalhou como solista de cello na gravação da música do primeiro filme e aqui reaproveita os temas circulares e extenuantes do finado Jóhann Jóhannsson. Da mesma forma que Guðnadóttir chega com despretensão e recicla parte da música do primeiro filme, Sicario 2 no geral assume sua vocação para a derivação: os planos finais encerram o filme com uma homenagem-cópia a O Poderoso Chefão sem ter medo da comparação. Depois das vaidades de artista de Denis Villeneuve, é um alívio que Sicario 2, com tanto despudor, se reconheça industrial - no sentido mais essencial da palavra, como uma combinação de forças para realizar algo.