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Sonic 2: O Filme aplica com precisão a fórmula do MCU às adaptações de games

Megalomaníaco, mas sempre bem humorado, retorno do ouriço traz mais fantasia e diversão

07.04.2022, às 09H00.
Atualizada em 07.04.2022, ÀS 15H53

Em 2020, Sonic: O Filme conseguiu fazer o que parecia improvável e agradou boa parte dos fãs da franquia de games da Sega. A prontidão da equipe criativa em redesenhar o visual do personagem após críticas na Internet, aproximando-o ao máximo daquele visto nos joguinhos, é emblemática para explicar como isso foi possível: em suma, o longa dirigido por Jeff Fowler entendeu que, a partir de uma adaptação digna do carisma histórico do ouriço azul velocista, poderia abrir concessões a outros aspectos fundamentais dos games; construir uma introdução mais mundana nas telonas para depois, quem sabe, mergulhar mais fundo na fantasia. Assim, além de acomodar os limites impostos por um orçamento limitado e por quaisquer inseguranças da Paramount Pictures com o projeto, seria possível diminuir o risco de alienar fãs de carteirinha e aumentar as chances de sucesso comercial e de crítica — algo quase revolucionário quando pensamos que apenas sete, entre os mais de 40 filmes inspirados em jogos lançados desde 1993, conseguiram mais que 50% de aprovação especializada.

É cabível traçar paralelos entre essa estratégia e o que o diretor Jon Favreau, os produtores Avi Arad e Kevin Feige e o astro Robert Downey Jr. fizeram com Homem de Ferro, lá em 2008. À época, filmes inspirados em quadrinhos já haviam experimentado um sucesso muito maior do que adaptações de games conseguiram até hoje, é claro, mas seguiam ainda à margem da posição de base do cinema hollywoodiano que agora ocupam. Com o personagem mais secular dos quadrinhos da Marvel, o carisma de um astro caído em processo de redenção e a liberdade criativa dada pela falta de recursos, o grupo plantou a semente do colossal MCU — não por acaso, a principal inspiração de Fowler e dos roteiristas Pat Casey, Josh Miller e John Whittington na continuação da história do ouriço em Sonic 2: O Filme; produção que dá o pontapé definitivo para um “SonicVerso”.

Retomando a vontade do personagem-título (voz de Ben Schwartz) de usar suas habilidades para salvar pessoas, o trio constrói uma narrativa que abraça de vez os tropos dos filmes de super-herói tanto em seu texto quanto em seu subtexto. Não é só na citação direta que o sempre espirituoso Sonic relembra Batman, Superman, o Soldado Invernal ou outros personagens das páginas da DC e da Marvel, mas também em seu anseio por salvar o dia sob o codinome de “Justiça Azul”, no discurso inspirador e motivacional que seu próprio Tio Ben, o policial Tom Wachowski (James Marsden), direciona a ele, ou em seu processo figurativo de morte e renascimento quando luta para mais uma vez salvar o dia contra o maligno Dr. Ivo Robotnik (Jim Carrey). Onerado pela responsabilidade de enfim expandir o número e a relevância de elementos emprestados dos games na tela grande, o novo longa encontra nesses ecos do MCU e dos DC Films o lastro necessário para exagerar e ousar sem medo de incomodar o público com um salto brusco demais.

Assim, Sonic 2 acomoda o que é seu grande trunfo e chamariz: a possibilidade de deixar em segundo plano os protocolares personagens humanos que enraizaram o drama do filme original e focar de vez no desenvolvimento do personagem-título, de seu universo e de seu cânone narrativo. Com a introdução de dois novos e aguardados personagens dos games, Tails (voz de Colleen O'Shaughnessey) e Knuckles (voz de Idris Elba), o filme torna-se responsável também por organizar um dos lores mais confusos e inconsistentes da história dos games, no cinema. Felizmente, é possível entender mais sobre a batalha que dizimou o planeta do ouriço, sobre as raças que nela guerrearam e por que elas o fizeram, e até usar todas essas informações para melhor dimensionar as emoções sentidas pelos personagens de CGI que, agora, são verdadeiramente os protagonistas da história. Mesmo que nem sempre faça sentido, funciona. E funciona graças aos 14 anos de diálogos expositivos, novos e cada vez mais insólitos universos e personagens levados à telona e às “piadocas engraçadalhas” com as quais o MCU preparou terreno para excessos de outras sagas.

E excessos não faltam em Sonic 2: da cena de abertura, onde visitamos o “Planeta Cogumelo” e reencontramos um Robotnik muito mais ensandecido do que antes (e Carrey dá um show, com direito à clássica imitação do Capitão Kirk de Star Trek, menção a O Dia Em Que a Terra Parou e outras boas referências para os fãs mais tiozões), às sequências de ação surpreendentemente elaboradas (que em diversos momentos remetem a cenários e desafios trazidos em fases famosas dos jogos do ouriço), quase tudo no filme é exagerado e cartunesco. O que aterra toda essa fantasia, além do claro posicionamento da produção como entretenimento familiar, é um núcleo emocional surpreendentemente cândido em seu trato, focado na importância de encontrar-se em um coletivo em tempos de solidão. Seja por influência do distanciamento que vivemos nos anos de pandemia, ou só porque a temática de super-heróis convida esse tipo de idealismo romântico (e por vezes brega), não é difícil se deixar levar pela emoção em algumas das interações de Sonic com Tom, Tails ou Knuckles.

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O vermelho guerreiro equidna, aliás, é um acerto virtuoso do novo filme, abrindo portas para embates visualmente empolgantes e oferecendo um contraponto interessante à malícia do ouriço azul e à inocência da raposa voadora. Dono de uma voz imponente, Idris Elba consegue rir de si mesmo e revela um timing cômico raramente exposto na carreira (embora enquadrado de forma bastante reminiscente do que foi feito com o Drax de Dave Bautista, em mais um elemento emprestado do MCU).

Onde Sonic 2 derrapa é na tentativa de justificar os retornos de basicamente todos os demais personagens de apoio do filme anterior — o que resulta em quebras de ritmo narrativo frequentes e colabora para que as mais de 2h de duração pareçam desnecessariamente inchadas. Embora Marsden permaneça minimamente conectado ao que realmente interessa no filme, tornando-se a bússola moral do ouriço, os personagens de Tika Sumpter, Natasha Rothwell e Adam Pally parecem existir em um outro filme; uma comédia burocrática produzida direto para a TV ou o streaming. Felizmente, o terceiro ato se desdobra de forma a ao menos reconectar os núcleos que se dividiram ao longo da história, mas nada salva a sensação de tempo perdido em cenas que falham tanto na missão de mover a ação adiante, quanto na de divertir quem assiste a elas.

Tudo isso é pequeno, entretanto, diante da imensidão que os personagens de uma franquia tão celebrada dos games convidam às telas, quando bem conduzidos. Esse mérito, que posiciona Sonic 2 no cume dos filmes do tipo por basicamente conseguir fazer o mínimo, é inalienável e indiscutível. Seja trocando socos, protagonizando batalhas de dança ou esquiando nos alpes, o ouriço e sua turma deixam claro que têm combustível para um sem número de aventuras cinematográficas, sempre capazes de divertir as crianças e encher de nostalgia os adultos — e, agora, finalmente emancipados daquela velha prerrogativa que fazia essencial a presença de um astro como Carrey, ou pedia o dividir do holofote com um elenco em live-action nem sempre tão carismático assim.

Consolidado como um herói, o ouriço dá o passo à frente que se tornou tradicional nesse mito moderno e busca construir a sua própria equipe. Considerando quão bem a franquia adaptou o modelo do MCU para a realidade das adaptações de games, eu não me surpreenderia se o SonicVerso (ou, quem sabe, o SegaVerso) crescesse nas telas na mesma velocidade com a qual seu principal personagem percorre as ruas de Green Hill.

Nota do Crítico
Ótimo