Ainda que J.J.Abrams tenha realizado um ótimo trabalho no reinício de Jornada nas Estrelas, é como produtor de Star Trek - Sem Fronteiras que ele realmente consegue trazer à tona o que significa a série.
Abrams fez duas escolhas inspiradas para o longa enquanto dedicava seus esforços como cineasta a Star Wars: O Despertar da Força. Entregou o roteiro a um trekker nerd enciclopédico, Simon Pegg (que vive na série o engenheiro Scotty), e a direção a um fã cujo envolvimento com a propriedade é mais emocional que, digamos, "religioso". Afinal, Justin Lin, egresso do sucesso dos últimos Velozes e Furiosos, cresceu vendo a série de TV ao lado de seu pai, lembrando com carinho extremo do que ela significa e não exatamente de situações específicas - preferindo não rever episódios para reproduzir sentimentos, não momentos.
A combinação dessas duas abordagens distintas garante ao longa uma qualidade até então inédita para a série nesse reinício: a liberdade. Solto das amarras da obrigação canônico-alternativa (chega de replicar histórias com outra roupagem) o roteiro audaciosamente mira exatamente no desconhecido que pessoa alguma jamais esteve pelo qual Star Trek sempre foi conhecida. E o faz de forma devotada à essência imaginada por Gene Roddenberry.
Star Trek - Sem Fronteiras trata da humanidade de maneira utópica, exatamente como seu criador sonhou em 1966. Mas Lin agrega a isso seu estilo enérgico e entendimento absurdo da ação, que enche a tela e desrespeita malandramente a gravidade.
Entre murros, phasers e perseguições empolgantes, há espaço para discutir a obtenção da paz, responsabilidade, diversidade, limites e debater pontos de vista tão distantes quanto a nebula não-mapeada onde a trama se desenrola. A tripulação da Enterprise está singrando o espaço em missões diplomáticas para a Federação quando um sinal de socorro os força a adentrar tal nebula. A formidável força que encontram ali separa a tripulação e coloca em xeque o próprio significado da Federação.
O inspirado cenário traz 50 novas raças alienígenas (em comemoração aos 50 anos da série), uma formidável estação espacial inédita e um vilão novo e à altura do legado de Trek. Lin, que assumiu a direção às pressas (depois de um conturbado período sob o comando do produtor estrante na direção Roberto Orci), parece também se divertir com a dinâmica dos personagens. A tripulação, afinal, está mais parecida com a original do que nunca, o que só aumenta a sensação de que Star Trek - Sem Fronteiras é um episódio perdido, moderno, agitado e com grande orçamento da Série Clássica.
E se não bastar aos fãs hardcore todo esse cuidado... alguns emocionantes momentos devem fazer o serviço. As referências são tão sutis quanto divertidas... e em duas cenas muito emotivas. A Fronteira Final nunca esteve tão contemporânea, acessível e reverente.