De cowboy sem nome a vingador urbano, Clint Eastwood é o arquétipo da masculinidade americana, um ideal a ser imitado. Como cineasta, porém, prefere estudar a coragem do homem comum, cuja nobreza vem do trabalho duro, da sua dignidade cotidiana. Essa é a história de Sully - O Herói do Rio Hudson. Em janeiro de 2009, quando fez um pouso de emergência nas geladas águas de Nova York, garantindo a segurança de 155 pessoas (entre passageiros e tripulação), o piloto Chesley Sullenberger estava apenas fazendo o seu trabalho.
A simplicidade narrativa - um homem honesto fazendo a coisa certa - contrasta com a grandiosidade de um feito considerado impossível. O roteiro de Todd Komarnicki, contudo, opta por traduzir o relato em termos hollywoodianos. Para criar o necessário conflito, o NTSB (departamento nacional de segurança no transporte) é transformado em vilão. A investigação, que existe para aprender com os acidentes aéreos, evitando futuras tragédias, passa a ser uma perseguição à honra e aos mais de 40 anos de experiência de Sully.
Atores competentes como Anna Gunn e Mike O'Malley são apenas inquisidores robóticos. Laura Linney, que interpreta a esposa do piloto, aparece no outro lado de conversas telefônicas com problemas de primeiro mundo: caso seja acusado de alguma infração eles podem atrasar o pagamento de uma das suas propriedades.
Seria um erro incontornável não fosse por Tom Hanks. No retrato das preocupações de Sully, o ator conecta o espectador aos questionamentos de alguém que fez a coisa certa, mas ainda é assombrado pela possibilidade de erro. Eastwood mostra o seu melhor quando foca no seu objeto de estudo, medindo do que é feito um verdadeiro herói. Essa curiosidade com o “fator humano” também evita que Sully caia em um discurso fabricado. O patriotismo americano está lá, mas dissolvido por uma boa dose de realidade. Não existe idealização, apenas competência.
O impacto seria maior não fosse a sensação de trama esticada. Ainda que seja extraordinária, a história do filme também é elementar. Os segundos derradeiros do pouso forçado, recriados com perfeição, são repetidos exaustivamente. Sully, que não queria ver sua longa carreira reduzida a esse momento, acaba, ironicamente, eternizado por ele.