Emily Hawkins (Rooney Mara) não responde bem ao retorno de seu marido (Channing Tatum) à sociedade, depois que ele termina de cumprir pena por favorecimento ilícito em um negócio na Bolsa de Valores de Nova York. Deprimida, ela consegue com um psiquiatra (Jude Law) uma receita para testar um novo remédio contra ansiedade. Medicada, Emily sofre os tais efeitos colaterais do título original de Terapia de Risco (Side Effects).
terapia de risco
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No papel e durante a sua primeira metade, o novo filme do diretor Steven Soderbergh parece misturar elementos dos dois anteriores, Contágio e Magic Mike. O monocromatismo (tirando os tubos laranjas dos remédios tudo no filme são variações de cinza), o linguajar técnico e o estilo seco (poucos tempos mortos, muita coisa filmada só com plano geral->médio->close-up) formam um drama de procedimento parecido com o de Contágio. Já o recorte moral da realidade lembra Magic Mike (e um pouco de Traffic), tendo a atual recessão nos EUA como pano de fundo e com personagens vitimizados pelas opressões do sistema e pelo estado das coisas.
Então a expectativa que Soderbergh e o roteirista Scott Z. Burns (o mesmo de Contágio) criam é muito específica - particularmente quem viu os dois longas anteriores pode achar que dá pra antever todas as viradas de Terapia de Risco em poucos minutos. Como o cineasta já decretou sua aposentadoria, e seus longas recentes automaticamente se tornam uma contagem regressiva, fica fácil ver nesse corpo de filmes um objeto só. Mas daí vem a segunda metade de Terapia de Risco...
As cenas em cartões-postais de uma Nova York moderna - o High Line Park, as portas giratórias do Le Cirque, os janelões do consultório - davam a entender que Emily e seu marido, esse ex-casal-modelo de um sonho americano falido, foram engolidos pelas ilusões das luzes da cidade (a Manhattan vista de longe, do barco, parece maior e mais inacessível). Mas quando vem a virada, fica claro que toda a primeira metade de Terapia de Risco era feita de "arenques vermelhos" (falácias como recurso literário são conhecidas em inglês como red herrings), pistas falsas que sugeriam que as pressões, na história de Emily, vinham de fora para dentro, quando na verdade operam de dentro para fora.
O drama macro, que parecia analítico e distante, dá lugar a um suspense micro, em que os zooms nas janelas (imagens que abrem e encerram o filme) servem de aparadores desse micromundo. Na segunda metade, Soderbergh deixa de filmar tudo sem foco e passa a usar um recurso parecido com o tilt-shift do Instagram: o monocromatismo continua mas objetos e rostos entram em foco em hipercloses, como se passassem a ser reais, palpáveis, dentro da proposta de Terapia de Risco, que não é ser um exercício de observação isento mas sim um filme de plot de fato - mais próximo de um thriller erótico à moda Joe Eszterhas, com seus jogos de poder e inversões do machismo, do que se poderia supor.
O prazer ao fim de Terapia de Risco então é ver que Soderbergh, nesse prometido final de carreira, recusa a grandiloquência de um filme-denúncia - um discurso sobre o estado das coisas que a primeira metade sugeria - e encontra um agradável equilíbrio entre o cinema comercial, de gênero, de seus maiores sucessos de bilheteria, e o cinema de autor dos seus filmes-de-festival. Se ele parar mesmo de filmar, Terapia de Risco servirá como fiel testamento dessa versatilidade, pela qual Soderbergh sempre foi conhecido.
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