“Se com um celular ele fez Tangerine, imagina o que ele pode fazer com o equipamento completo”, diz alguém na plateia do Festival de Toronto em antecipação por The Florida Project, o sexto longa-metragem de Sean Baker e o primeiro depois do inesperado sucesso do seu filme rodado com um iPhone 6. Com acesso a mais recursos graças à fama, Baker não decepciona e aproveita o alcance das novas lentes para buscar beleza em lugares inesperados.
Logo, a sua temática permanece a mesma. Baker olha para aquilo que a grande maioria não quer ver. The Florida Project é sobre as famílias que vivem em motéis baratos na beira da rodovia de Orlando. Ironicamente, o motel que recebe a história se chama Magic Castle, nome que lembra o parque da Disney localizado na cidade. Na primeira cena, Moonee (Brooklynn Prince), a princesa desse castelo roxo é apresentada. Ela vive intensamente as suas férias de verão com as outras crianças da vizinhança, seja cuspindo em carros, invadindo casas abandonadas ou juntando moedas para comprar sorvete.
Dessa rotina colorida, o roteiro de Baker e Chris Bergoch extrai histórias difíceis. São famílias inteiras confinadas a pequenos quartos, lutando como podem para pagar a conta de US$ 35 por noite. A câmera capta seus rostos cansados, as marcas de uma vida complicada. Não existe maquiagem. Halley (Bria Vinaite), a jovem mãe de Moonee, é um desses retratos sem retoques de uma adolescência perdida pela maternidade e uma vida adulta que não tem recursos para se realizar. Imatura e amorosa, ela só quer o bem da filha, mesmo que não saiba como cuidar de si mesma.
Assim como Bobby (Willem Dafoe), o gerente do castelo que pacientemente lida com a inquietude das crianças e dos “hóspedes”, Baker nunca julga seus personagens. Ele os observa e protege, buscando pequenas alegrias em uma jornada sem perspectiva positiva, seja nas brincadeiras das crianças, seja na beleza improvável escondida naquela região esquecida do reino mágico. Motéis, lojas de presente e construções abandonadas ganham a mesma imponência das atrações de um parque temático.
Mesmo que torne fantástica uma realidade crua, The Florida Project imprime um naturalismo notável em todos os seus diálogos e situações (incluindo uma cena perfeita sobre o amor dos brasileiros pela Disney). Mérito da direção e também de um elenco de extrema competência, com Dafoe em uma atuação contida e profunda, com a novata Vinaite incorporando todas as camadas da sua complicada personagem e Brooklynn Prince revelando ser uma força da natureza, que aos seis anos domina o filme como uma atriz veterana.
Baker, que além de diretor e roteirista também é montador, sabe como usar situações aparentemente banais para criar uma narrativa complexa e aproveita ao máximo as paisagens e os personagens da sua história. Essa é muito mais do que a prova de que seu talento vai além da audácia de fazer um longa-metragem com um celular. The Florida Project é exemplo de uma sensibilidade rara e necessária para o cinema.