Numa época em que não só as instituições mas também as nossas mais sólidas noções de governo estão em transformação, The Post - A Guerra Secreta se apresenta nostalgicamente não apenas como um libelo pela liberdade de imprensa mas principalmente como uma defesa de instituições. Não é por acaso que tanto a esquerda quanto a direita americana o recebam bem; o filme de Steven Spielberg trata personagens como personificações dos pilares do seu tempo: o Estado, a mídia, a família.
Meryl Streep vive o pilar da família, Katharine Graham, publisher do The Wahsington Post durante o período mais crítico da sua história, quando o jornal deixou de ser um empreendimento familiar regional para se transformar em um gigante da imprensa americana. A dinâmica "Igreja vs Estado" que ela estabelece com Ben Bradlee (Tom Hanks) é o motor do filme; Bradlee edita o jornal e defende a autonomia da redação, no dossiê que expõe os documentos secretos do Pentágono sobre a Guerra do Vietnã, e Katherine precisa defender os interesses econômicos do Post (que se cruzam com os interesses da aristocracia política de Washington).
Bradlee, obviamente, é o pilar da mídia, papel que ele já desempenhou em clássicos como Todos os Homens do Presidente, relato feito a quente em 1976 na época do Watergate (o escândalo que se seguiu ao caso dos papéis do Pentágono, nas páginas do Post). Quem fecha o triângulo aqui e faz o pilar do Estado não é Richard Nixon - figura que Spielberg só filma de costas, à distância, respeitando o caráter ridículo que Nixon ganhou no imaginário hollywoodiano - e sim Robert McNamara (Bruce Greenwood), o Secretário de Defesa e "senhor da guerra" que representa o braço mais dramático do Estado americano, o braço da força.
Ao escolher McNamara como um dos vértices desse triângulo, Spielberg fecha bem os atores funcionais de uma dinâmica de pressão, que conduz a trama de forma tensa, a cada momento pendendo para o lado de Katherine ou de Bradlee. O filme se desenrola numa mistura dos thrillers temáticos de Spielberg, como Munique, em função da tensão, com os longas "de prestígio" do cineasta, em que a fotografia-de-holofote se encarrega de transformar a ação palavrosa em statements discursivos.
É muito interessante observar como em The Post o trabalho do diretor de fotografia Janusz Kaminski se esforça para conciliar o thriller e o palanque. O modo de operação básico de Kaminski é a panorâmica; seja nas salas da casa de Katherine ou na redação do Post, a câmera quase sempre se move em planos longos que circulam o elenco, se aproximam e se afastam de quem fala, como se cercasse a ação após identificá-la. Isso ajuda a manter a tensão interna nas cenas, e ao mesmo tempo torna cada fala um acontecimento, porque cada close-up se antecede por toda uma preparação.
Se Spielberg quer fazer funcionar The Post (um filme em que precisamos mesmo acreditar que esses totens bem definidos da família, da mídia e do Estado são pessoas de carne e osso como nós, falíveis e suscetíveis aos movimentos da trama), é preciso mesmo eleger formas muito rigorosas de enquadrá-los. Além das panorâmicas, The Post abusa dos contra-plongées, um recurso bastante basilar de gramática cinematográfica que acaba funcionando bem aqui para fazer de gigantes como Meryl Streep e Tom Hanks meras peças de uma história maior que a vida.
Ainda assim, convém que não se perca a dimensão conservadora de The Post: toda conquista pessoal é acima de tudo uma conquista do establishment, e seus atores fazem esses papéis de pilar no limite da caricatura: Greenwood está quase irreconhecível com o cabelinho cortado ao meio de McNamara, Streep fica em constante estado lacrimejante para denotar a sensibilidade maternal de Katherine (não por acaso a cena em que ela bota as crianças para dormir é a virada definitiva do filme, o que diz muito sobre a importância que Spielberg dá à família) e Hanks estica as pernas pra cima de qualquer mesa sempre que possível, porque afinal o papel de Bradlee é reafirmar que a mídia não obedece ninguém.