“É um filme pós-terapia, certo?”, perguntou Alfonso Cuarón depois de ver The Shape of Water. Guillermo del Toro, seu amigo de longa data, concordou. Pela primeira vez, o cineasta se sente livre para falar do que ama - monstros e cinema - sem barreiras.
Liberdade que deixa Del Toro menos ingênuo, mas não menos romântico. Sua versão de O Monstro da Lagoa Negra (1954) é uma história de amor nascida das profundezas da Guerra Fria. Elisa (Sally Hawkins), sua princesa, é faxineira noturna de um laboratório do governo dos EUA. Incapaz de falar por conta de um ferimento que destruiu suas cordas vocais, ela encontra compreensão na criatura (Doug Jones), trazida da América do Sul pelo rígido agente Strickland (Michael Shannon). Nas madrugadas no laboratório, a princesa e o monstro escutam música, comem ovos cozidos e se apaixonam.
É um conto de fadas que usa arquétipos clássicos, mas não os reprime. A bela não é casta, a fera não precisa de cura. O vilão não se limita a destruição desse amor - a maldade de Strickland é consequência de um homem problemático, obcecado pelo sucesso, surdo a tudo a seu redor. A parceria com a roteirista Vanessa Taylor coloca em prática o que geralmente Del Toro trata como teoria. Diálogos leves conectam os elementos da narrativa naturalmente e apresentam personalidades completas - seja Giles (Richard Jenkins), o vizinho ilustrador que ama filmes antigos e tortas de limão, Zelda (Octavia Spencer), a falastrona e protetora colega no turno noturno de limpeza, ou Hoffstettler (Michael Stuhlbarg), um homem da ciência preso em um mundo político.
Com personagens bem construídos pelo roteiro e atuações, a ideia de que os verdadeiros monstros caminham entre os homens deixa de ser um objetivo e se torna consequência da narrativa. Da mesma forma, os cenários detalhados, o design de personagem, as referências, as homenagens e os conceitos cinematográficos deixam de ser uma moldura vazia. Del Toro trabalha cada centímetro da tela, pensa nas cores, encaixa precisamente a trilha de Alexandre Desplat, mas não trata mais o filme como um quebra-cabeça. É essa fluidez que esconde o seu esforço e garante que a posição do espectador seja esquecida, colocando-o dentro da história.
Em The Shape of Water, Guillermo del Toro faz muito mais do que declarar seu amor por monstros. Troca pretensões abstratas por empatia para descobrir como contar uma história de aura clássica acessível, mas também complexa e original. A maturidade de um artista que encontrou a magia do seu cinema.