Till - A Busca por Justiça (Reprodução)

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Crítica

Till — A Busca por Justiça constrange e incomoda para mostrar sua gravidade

Chinonye Chukwu tira espectador da zona de conforto e aposta em abordagem visceral do racismo

09.02.2023, às 18H24.

Há muitas maneiras de falar sobre racismo, do discurso didático, como em Cara Gente Branca, ao olhar tragicômico, como em Todo Mundo Odeia o Chris. Em Till - A Busca por Justiça, a diretora Chinonye Chukwu escolhe a maneira mais direta e incisiva. Sem eufemismos ou desvios dramáticos, Chukwu apresenta Emmett Till, jovem negro brutalmente assassinado nos Estados Unidos em 1955, e não poupa o espectador de imagens e mensagens fortes na tela. A ideia é tirar o público de sua zona de conforto e constrangê-lo a pensar seu lugar na luta antirracista.

No filme, vemos Mamie Till-Mobley em sua busca por justiça para seu filho de 14 anos, Emmett, linchado e morto quando visitava seus primos no Mississipi. A história tem um começo calmo em Chicago, preparando o espectador para uma virada trágica. Mamie é relutante quanto à viagem do filho, que não enxerga de fato a diferença de vida de pessoas negras nos diferentes estados americanos, uma realidade que o personagem viverá em seguida na pele, da pior maneira.

Após o violento assassinato de Emmett, Mamie, brilhantemente interpretada por Danielle Deadwyler, transforma toda sua dor em força para fazer com que o crime não fique impune. A presença de Deadwyler é o principal combustível do filme. Além de passar veracidade com sua atuação, a atriz preenche todas as cenas que protagoniza. Seu trabalho é tão triunfante que chega a ofuscar Whoopi Goldberg, que interpreta a avó de Emmett. Goldberg não tem grandes momentos no filme e na maior parte do tempo age como contraponto de Mamie, para que a personagem tenha com quem reafirmar suas posições.

Do início ao fim, o filme denuncia o racismo nas Américas e a apatia de pessoas brancas que, mesmo não levantando as mãos ou pegando em armas contra negros, também não agem contra o racismo. No Mississipi retratado no filme, a população negra é controlada pelo medo e pela dependência econômica: mesmo não sendo mais escravizados, são obrigados a trabalhar nas terras de homens brancos e gastar o pouco que ganham nos comércios desses mesmos homens. Os primos de Emmett representam isso na tela e tentam ensinar o forasteiro a “se portar” em um estado onde a maioria da população está disposta a prejudicá-lo.

Chinonye Chukwu usa constrangimento e desconforto para causar incômodo e revolta em qualquer espectador que tenha o mínimo de consciência racial. Esse clima criado pela diretora torna a relação com Mamie e Emmett mais profunda a cada minuto de filme. Till parte da tragédia que acontece no Mississipi naquela noite de 1955 para chacoalhar o público ainda inerte diante das injustiças raciais que atravessam séculos em todo o mundo até hoje.

Além de uma profunda abordagem do racismo, o longa tem um extenso recorte de gênero através da personagem de Deadwyler. Mamie não apenas reage ao racismo e à violência de perder o único filho. Ela também precisa enfrentar o descrédito da imprensa e sociedade por ter tido dois casamentos e não firmar uma relação com seu companheiro atual. Essa onda de misoginia é usada para minimizar a dor e as denúncias da mãe. O que se vê na tela é um combo de provações para a personagem e a maneira antes de tudo digna como a atriz Danielle Deadwyler as enfrenta explica por seu nome é o mais lembrado entre as esnobadas do Oscar deste ano.

Chukwu não recorre a salvadores brancos e nem mesmo a aliados da causa racial. Sua história é contada e protagonizada por personagens negros. Quando se precisa de ajuda, são outros negros que aparecem para ajudar. Além de ser uma boa mensagem sobre como é feita a luta racial atualmente, essa preocupação da cineasta faz uma boa contextualização da situação dos negros nos Estados Unidos no século passado.

Forte e sem medo de incomodar, Till - A Busca por Justiça coloca o espectador em uma situação de impotência diante da violência racial, e usa isso para entregar a sua mensagem antirracista. A conscientização proposta pelo longa vem por meio do desconforto e é eficiente ao explorar o limite das emoções de quem vai à sala de cinema. Ódio, raiva, medo e tristeza são os sentimentos que ficam para quem se coloca diante da tela e ousa encarar o trabalho de Chukwu.

Nota do Crítico
Ótimo