Encarar Trocando os Pés (The Cobbler, 2014) como uma suposta volta do ator Adam Sandler às comédias dramáticas "de autor", na linha de Embriagado de Amor, Reine sobre Mim e Funny People, pode ser uma experiência bastante frustrante, especialmente para quem se nortear pelo nome, no cartaz, do diretor Tom McCarthy, que despontou com o sucesso indie O Agente da Estação.
Porque por trás da sua fachada de filme "sensível" - proposta muito evidente já na atuação desafetada de Sandler, grave e naturalista, como pedem os papéis "sérios" - Trocando os Pés não é mais do que uma versão gourmetizada de Click. Ambos os filmes jogam com uma mesma premissa de realismo fantástico (objeto mágico apresentado por um estranho dá a um homem muitas chances de mudar sua vida) para fazer um conto moral sobre responsabilidades e escolhas.
Aqui, Sandler vive Max, um sapateiro que não gosta do que faz. Sua lojinha no Lower East Side de Nova York está na família há quatro gerações e Max não poderia se importar menos com o peso desse legado. Quando descobre que, ao colocar sapatos dos clientes, ele pode se transformar em outras pessoas, Max decide usar a mágica para viver outras vidas. É o ditado "para conhecer um homem de fato é preciso se pôr 'nos seus sapatos'" encarado de forma literal.
E o que começa como um típico filme de seleção de Sundance - em que os simbolismos dão o tom da narrativa de forma didática (a relação com a mãe esclerosada como emblema de um passado que se apaga sem remorso) e estereótipos se revestem de uma suposta profundidade (como a garota engajada que no fundo só serve de MPDG para Max) - logo se transforma numa sucessão variada de gêneros, da comédia de erros à trama de golpe, e é sem muito critério que Trocando os Pés vai de uma cena de luto a outra de humor físico em minutos.
A impressão que fica durante o filme todo é que McCarthy parece pouco à vontade com essas mudanças de chave, e o fato de entrar com timidez nos gêneros com que flerta acaba transformando Trocando os Pés num filme essencialmente inócuo, apesar de tanta agitação. E sua única posição mais assertiva não deixa de ser bastante cômoda, por conservadora: o dinheiro novo representado pela mulher e pelo negro é vilificado, em oposição ao dinheiro velho dos antigos imigrantes, que por ser "tradicional" seria, portanto, mais "puro". Não se deixe enganar pela musiquinha de rua tipo chanson: não há ingenuidade nessa disputa entre o velho e o novo.
De resto, Method Man se revela um ator inesperadamente versátil e Trocando os Pés pelo menos faz uma propaganda digna dos Pickle Guys, ponto turístico roots do Lower East Side e um dos melhores lugares para comprar e comer picles que a colônia judaica novaiorquina pode oferecer.